quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Zlavoj e os monstros.




"Somos alguém que joga o jogo de ser humano para não ofender os outros. Somos monstros que jogam o jogo de ser humano".

Zlavoj Zizek

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A COR DA CONSCIÊNCIA... (Crônica em homenagem ao 20 de novembro Dia da Consciência Negra)




MUITO FÁCIL TECER OPINIÕES A RESPEITO DA REALIDADE RACISTA QUE NOS RODEIA, DA IMPORTÂNCIA QUE TEM OS "AVANÇOS" QUE AS SOCIEDADES CONSEGUIRAM COM O RECONHECIMENTO DA PESSOA NEGRA ENQUANTO SER HUMANO TANTO QUANTO OS BRANCOS (DONOS DA VERDADE CIENTÍFICA, DOMINADORES E FUNDADORES DAS CIVILIZAÇÕES CAPITALISTAS) DA PESSOA NEGRA COMO CIDADÃ DE DIREITO E, PORTANTO, DE RESPEITO. NO ENTANTO, NOS DEPARAMOS COM A DIFÍCIL EMPREITADA QUE É PODERMOS DIALOGAR COM AS PESSOAS QUE TÊM DENTRO DE SI CONCEITOS BEM ARRAIGADOS SOBRE A IMPORTÂNCIA QUE AS PESSOAS TÊM PELA COR DA PELE. ISTO PORQUE A PELE NEGRA NÃO TEM IMPORTÂNCIA PARA MUITOS.

A HISTÓRIA DA TRAJETÓRIA DO POVO NEGRO, AO FAZER PARTE DAS SOCIEDADES MERCANTILISTAS E CAPITALISTAS, JÁ COMEÇOU COM VIOLAÇÕES. PRIMEIRO PELO FATO DE TEREM SIDO RAPTADOS, E PORQUE NÃO DIZER, CAPTURADOS DO SEU HABITAT, ONDE APESAR DOS DESAFIOS QUE A NATUREZA IMPÔS, CONSTRUIU SOCIEDADES A PARTIR DE UMA CULTURA PRÓPRIA. FORAM IMPORTANTES PARA CONSTRUIR DO PONTO DE VISTA CONCRETO,LITERALMENTE, O HABITAT DAS SOCIEDADES OCIDENTAIS, MAS NÃO FORAM INCLUÍDOS NELAS.HISTORICAMENTE FAZEM PARTE DE UMA RAÇA INFERIOR. ISTO AINDA É MUITO FORTE NÃO APENAS NO INCONSCIENTE COLETIVO, MAS PRINCIPALMENTE NA CONSCIÊNCIA COLETIVA!!! NÃO É DIFÍCIL TERMOS ESSTA INFELIZ CERTEZA:

* SE HÁ, DE FATO, DESIGULADADES DE DIREITOS SOCIAIS ENTRE HOMENS E MULHERES, HÁ ENORMES DISCRIMINAÇÕES E DIFERENCIAÇÕES NAS OPORTUNIDADES DE VIDA ENTRE MULHERES BRANCAS E NEGRAS. AINDA SOMOS A MAIORIA NAS ATIVIDADES DOMÉSTICAS, PORQUE SE ACREDITA QUE É UMA ATIVIDADE APENAS BRAÇAL E QUE NÃO NECESSITA DO INTELECTO NEM DE FORMAÇÃO ACADÊMICA. ISTO É UM PRIVILÉGIO DE BRANCAS, AS PATROAS. AS MULHERES NEGRAS SÃO AS QUE TEM OS MAIS BAIXOS SALÁRIOS, AS MAIS ALTAS TAXAS DE ANALFABETISMO E VIVEM NA POBREZA EXTREMA. ESTA É BEM LOCALIZADA: A MISÉRIA TEM COR, E É NEGRA.

*ENTRE AS MULHERES ENCARCERADAS ENCONTRAMOS EM SUA MAIORIA AS DE COR NEGRA E PARDA. A VIOLÊNCIA TEM COR E MORA NA PERIFERIA.

*NOS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS TEM MAIS MULHERES NEGRAS. POR QUE SERÁ? A DOENÇA MENTAL NÃO TEM COR. MAS A SEGREGAÇÃO TEM.

*ONDE ESTÃO AS BONECAS PRETAS? NÃO SE VIU NENHUMA NAS PRATELEIRAS DOS GRANDES MAGAZINES, NO DIA DAS CRIANÇAS, E NINGUÉM SE QUEIXOU. SERÁ QUE ALGUÉM SE IMPORTOU COM ISSO OU ACHOU "NORMAL"? SERÁ QUE AS CRIANÇAS GOSTARIAM DE BRINCAR COM ESSAS BONECAS? SERÁ QUE AS AMARIAM E CUIDARIAM DELAS? PROVAVELMENTE NÃO. PORQUE AS CRIANÇAS, ASSIM COMO OS ADULTOS, NÃO SE RECONHECEM NO QUE DIZ RESPEITO À NEGRITUDE!!

*NÃO EXISTEM CANAIS DE TV E RÁDIO EXCLUSIVOS PARA TRANSMISSÃO DE CULTOS DE RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS. SERÁ QUE SE TIVESSE, A SOCIEDADE ACEITARIA? ENTENDENDO POR SOCIEDADE PESSOAS NEGRAS E BRANCAS!

ASSIM TEM SIDO, E SERÁ POR MUITOS ANOS. PROVAVELMENTE TUDO ISTO TENHA CONEXÃO COM AS CATÁSTROFES SOCIAIS QUE ACOMETEM GRANDE PARTE DO CONTINENTE AFRICANO E AS POPULAÇÕES AFRODESCENDENTE NO MUNDO AFORA.

AS PESSOAS (NEGRAS E BRANCAS) NÃO SE ENVOLVEM, NÃO SE PREOCUPAM COM ESSAS POPULAÇÕES. TODAS AS AÇÕES SÃO TÍMIDAS E PALIATIVAS. NÃO HÁ MOBILIZAÇÕES OCIDENTAIS NEM ORIENTAIS COM VISTAS À LIBERTAÇÃO DAQUELE POVO DA MISÉRIA. PORQUE AINDA SÃO CONSIDERADAS PESSOAS INFERIORES.

ENQUANTO EXISTIR UM DIA PARA LEMBRARMOS A CONSCIÊNCIA NEGRA, A PARTIR DA HISTÓRIA DE LUTA DE ZUMBI E DE UM POVO QUE RESISTIU À TORTURA E A SEGREGAÇÃO, ESTE DIA NOS LEMBRARÁ SEMPRE QUE VIVEMOS EM UMA SOCIEDADE, NA QUAL PARTICIPAMOS DA SUA CONSTRUÇÃO, MAS QUE NÃO TOMAMOS POSSE DO QUE NOS CABE NELA: A DIGNIDADE DE TERMOS NOSSOS DIREITOS REPEITADOS E NOSSAS POTENCIALIDADES RECONHECIDAS, TANTO QUANTO DE OUTRAS RAÇAS. PRECISAMOS ASSUMIR ESSE PROTAGONISMO, PORQUE ANTES DE TUDO, SOMOS HUMANOS.
 
AUTORA: SILVANA SANTANA: psicóloga negra, militante da Luta Antimanicomial, militante da luta na defesa dos Direitos Humanos Universais.
Recife\Igarassu 20 de novembro de 2011.





---

Obrigado Dra. Silvana Santana e professora Cynthia Ciarallo!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O olho que se vê.



Ver não é tocar, mas o tato nos ensina o que é a visão e as coisas visíveis estão prometidas a tangibilidade (…). Um olho que apalpa cores e superfícies, num pensar que tateia idéias para encontrar uma direção de pensamento, numa idéia sensível que nos possui mais do que a possuímos, como o pintor que se sente visto pelas coisas enquanto as vê para pintá-las".

Maurice Merleau-Ponty

Nota: Reforma Psiquiátrica Ameaçada!


À COMISSÃO INTERGESTORA TRIPARTITE (CIT) (*)

(*) Tem composição paritária formada por 18 membros, sendo seis indicados pelo Ministério da Saúde (MS), seis pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e seis pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). A representação de estados e municípios nessa Comissão é regional, sendo um representante para cada uma das cinco regiões no País, além dos Presidentes de Conass e Conasems. Nesse espaço, as decisões são tomadas por consenso e não por votação.


Nós, da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA), temos acompanhado atentos e preocupados o debate que se processa no interior do governo Dilma sobre as medidas a serem adotadas para o cuidado dos usuários de crack, álcool e outras drogas. É visível o embate interno ao governo relativo à possibilidade de incorporação das chamadas “comunidades terapêuticas” como um recurso do Sistema Único de Saúde passível inclusive, de ser financiado diretamente pelo governo federal.

Tal condição associa-se ao absurdo debate em torno das internações compulsórias de usuários de crack, álcool e outras drogas, posição que, apesar de ser sistematicamente rechaçada pelos equívocos jurídicos e assistenciais que comporta, vem, reiteradamente, sendo reintroduzida com muita força.

Identificamos como ponto de sustentação das propostas apresentadas pelo governo federal, a articulação existente entre a Ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, setores religiosos que se expressam no Congresso Nacional e as Federações das comunidades terapêuticas  que são patrocinadoras do projeto político da Ministra,  senadora eleita pelo Paraná.

Entendemos que o triunfo desta perspectiva representa um retrocesso na política da Reforma Psiquiátrica e uma ameaça para o SUS, num momento em que o próprio governo se vê inundado por crises invariavelmente relacionadas com a malversação de fundos públicos e a corrupção gerada por modos de relação promíscuos, via transferência de dinheiro público para organizações não-governamentais. Reconhecemos que a legitimidade social das comunidades terapêuticas advém de sua condição de serem empreendimentos autônomos, geradas por iniciativas da sociedade no vácuo de respostas públicas para os usuários de álcool e outras drogas por parte do Estado.

A inclusão das comunidades terapêuticas no campo da saúde violará o SUS e a Reforma Psiquiátrica em seus princípios e objetivos e o que é pior, reintroduzirá a segregação como modo de tratamento, objetivo oposto ao que orienta os serviços substitutivos, resgatando no mesmo ato a cruel face de objeto mercantil para o cuidado em saúde, ao privatizar parte dos recursos assistenciais.

Que a escolha por uma comunidade terapêutica e pela supressão dos direitos de cidadania seja a opção de alguns é algo que só pode ser respeitada no plano da decisão individual, mas jamais como oferta da política pública e resposta do Estado à sociedade.

A questão que se coloca hoje, com o confuso, parcial e precipitado debate sobre as drogas, convoca-nos à urgente mobilização em defesa do SUS e da Reforma Psiquiátrica, ameaçados, neste momento, pelo envio, por parte do Ministério da Saúde, à Comissão Intergestora Tripartite (CIT), de proposta de portaria que inclui as comunidades terapêuticas como serviços integrantes da rede de atenção psicossocial.

Apelamos à CIT que não aprove estas portarias ministeriais até que o governo federal estabeleça um diálogo com as entidades que têm se pronunciado contrários a esta forma de se pensar e fazer política. Que se aguarde a Consulta Pública, estratégia gestada pela Secretaria Geral da Presidência da República, onde todos poderão opinar e construir coletivamente uma política para os usuários de álcool e outras drogas e não apenas as Federações de Comunidades Terapêuticas, únicas entidades recebidas pela Presidenta Dilma.

Nossa posição não é sustentada em interesses particulares nem em preferências. É coerente com a ampla mobilização social em todo o país que resultou na IV Conferência Nacional de Saúde Mental-Intersetorial, fórum que foi claro e decidido neste ponto: comunidades terapêuticas não cabem no SUS, como também não cabem internações compulsórias. O tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, incluído neste conjunto o crack, deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva.

III ENCONTRO NACIONAL DA RENILA
Goiânia, 17 a 20 de Novembro de 2011.


---




Para ver meus comentários sobre a internação compulsiva de usuários de drogas, ver post sobre políticas para usuários de crack (Boletim CFP - 13 razões para defender uma política para usuários de crack). Quanto à minha opinião sobre as Comundidades Terapêuticas, aconselho a leitura do seguinte artigo: A "reeducação" de Adolescentes em uma Comunidade Terapêutica: o Tratamento da Drogadição em um Instituição Religiosa, por L.M. Raupp e C. Milnitisky-Sapiro (http://www.scielo.br/pdf/ptp/v24n3/v24n3a13.pdf). 

Devo dizer que concordo com as conclusões feitas pelas autoras, mas gostaria de questionar o fato de darmos espaço para as comunidades terapêuticas no SUS. Não me parece correto que instituições de orientação e endoutrinamento católico sejam sustentadas por um Estado de Direito que se proclama laico em sua constituição. Devo dizer, inclusive, que acho pernicioso expor sujeitos em estados de dependência química e/ou sofrimento mental agudo, sensiveis e vulneráveis a qualquer discurso e regime aliciante de performance religiosa, seja esta católica ou de qualquer outra denominação. O amparo e acolhimento em uma religião deve ser uma opção à qual o usuário da Comunidade Terapêutica possa acessar por livre e espontânea vontade, não sendo o pivô e método terapêutico duma verdadeira teoergoterapia.   Até o momento em que o amparo religioso não seja devidamente dimensionado nas Comunidades Terapêuticas como opção, entre tantas outras, para a subjetivação, superação ou convivência com o impasse e sofrimento psíquico, narrativo ou existêncial do sujeito, não vejo onde essas instituições haveriam de caber no SUS ou ser consideradas como uma alternativa para as lacunas bocejantes do sistema público de saúde. 

Pergunta terrível que se faz um psicólogo cada vez mais paranóico: estaria o Estado, mancomunado com o Vaticano, a propor campos de reeducação? A propósito, fica a dica: leiam A Scanner Darkly (O Homem Duplo), de Phillip K. Dick, como insumo literário divertido, profundo e perturbador para esta discussão.  

sábado, 26 de novembro de 2011

Justiça VS Poder: Debate entre Noam Chomsky e Michel Foucault


O debate foi transmitido para a TV alemã em 1971. O vídeo é apenas uma parte do debate e começa com Chomsky argumentando que a liberdade, criatividade e o amor são características intrínsecas da natureza humana e que uma sociedade decente deveria maximizar essas potencialidades inatas através da superação dos mecanismos de repressão, opressão e coerção existentes. Ainda argumenta que o modelo que estaria mais adequado para uma sociedade tecnologicamente avançada seria o anarco-sindicalismo, caracterizado por um sistema federativo, descentralizado de associação livre.

Foucault ataca as afirmações de Chomsky questionando dois pontos fundamentais de seu argumento, um é sobre como se dão as relações de poder e o outro sobre a noção de natureza humana. Sobre as relações de poder, Foucault começa afirmando que não é capaz de propor uma solução de funcionamento social ideal, porém, argumenta que em nossa cultura ocidental é um hábito considerar que o poder está na mão do estado e que este exerce seu poder através de suas instituições administrativas e coercivas.

No entanto, Foucault aponta que o poder político também se exerce pela medição de instituições que aparentemente são independentes e não possuem relação alguma com esse tipo de poder. Como o sistema escolar, a medicina, psicologia e o direito, que muitas vezes são vistas como instituições que buscam transmitir saberes com o objetivo de melhorar a sociedade e a vida das pessoas, mas que na prática promovem os mesmos mecanismos de poder que perpetuam as condições de dominação e controle de uma elite privilegiada em detrimento de outros grupos sociais. Foucault então afirma que o verdadeiro objetivo do engajamento político em uma sociedade como a nossa, seria, antes de tudo, o de criticar os jogos dessas instituições aparentemente neutras e independentes, de forma que a violência que se exerce sutilmente nelas seja evidenciada, para que se possa enfim lutar contra elas. Ainda enfatiza que diante da impossibilidade de se reconhecer esses pontos de apoio indiretos, porém fundamentais do poder das classes dominantes, corremos o sério risco de manter sua existência. Uma existência que é capaz de se reconstituir e reinventar de várias formas, mesmo através de um processo aparentemente revolucionário.

A noção de natureza humana é criticada em torno da mesma questão. Levando em consideração que a natureza humana é algo bastante complicado de se definir - não é a toa que se trata de uma questão de difícil solução que faz parte do hall de problemas mais cabeludos enfrentados pela filosofia e ciências até os dias de hoje - não corremos o risco de manter as relações opressivas de poder que constituem nossa sociedade tentando solucionar nossos problemas sociais a partir de um modelo social ideal baseado em uma noção de natureza humana universal? Ora, se como afirma Foucault e posteriormente concorda Chomsky, que a natureza humana é algo inapreensível, cujas proposições discursivas que tentam defini-la sofrem limitações evidentes e são influenciadas por noções e preceitos morais que fazer parte de um contexto histórico e cultural específico, parece bastante complexo e perigoso tentar formular uma solução por esses termos.  

A crítica de Foucault ganha peso quando a noção de Chomsky sobre natureza humana se assemelha bastante aquela definida pelo Iluminismo e defendida pelo Positivismo, que é a noção universal do homem racional, senhor de si e essencialmente bom. Nesse sentido, a solução de Chomsky acaba sendo fundamentada em um ideal de homem que foi criado justamente no contexto que ele busca combater e transformar. Foucault ao afirmar que as classes dominantes possuem o poder de se reinventar, mesmo através de um processo aparentemente revolucionário, deixa bem claro as limitações e contradições do argumento de Chomsky.

Apesar de concordar com os argumentos de Foucault e acreditar que ele demonstra certa ingenuidade por parte de Chomsky, concordo com a resposta deste, quando afirma que definir uma forma de funcionamento ideal para sociedade baseado em uma noção de natureza humana enfrenta os mesmos problemas que a ação política direta, ou seja, mesmo diante das incertezas e possíveis equívocos, a demanda por um curso de ação se faz necessária, pois no contexto atual é de importância crítica que tenhamos algum tipo de direção. Propor soluções é sempre uma tarefa árdua, permeada por contradições e ambigüidades, mas que precisa acontecer. No entanto, a questão é que soluções que acabam por servir ao status quo ou transferir o poder da elite dominante para outra elite dominante não são soluções de fato, pois perpetuam a mesma estrutura social que permite que as relações de poder e dominação continuem indefinidamente. Temos como exemplos claros a Revolução Francesa, A Revolução Russa e a Revolução Cultural Chinesa. Nesse aspecto, as críticas de Foucault foram de uma precisão cirúrgica.

Para concluir deixo algumas perguntas que me inquietaram nesse debate: Sobre as diversas outras características que podem ser observadas em humanos, como o ódio, a violência, a dominação, opressão, etc. Não seriam essas também características da “natureza humana”? Se forem, então seria o caso de criar um modelo social ideal que escolheria as melhores características inatas em detrimento de outras menos adequadas? Mas justamente escolher que características são as mais adequadas não incorreria em uma escolha subjetiva, influenciada por agenciamentos sociais, históricos e culturais? Então a definição do que é essa suposta natureza humana e suas qualidades não acaba inevitavelmente por ter que passar pelo crivo subjetivo e incerto do discurso humano, tornando então arbitraria e incerta a própria existência de tal natureza?  Há realmente a necessidade de se validar o anarco-sindicalismo como solução para a sociedade a partir de noções universais de natureza humana? Será possível definir soluções ou fazer escolhas sem ter que se submeter a noções essencialistas? Os valores que consideramos como bons e corretos precisam necessariamente estar vinculados com noções universais?

Concluo com uma frase de Foucault que define bem o cuidado e critério que todos nós devemos ter ao lidar com os temas apresentados: “O poder consegue alcançar as mais sutis e individuais das condutas e atinge as formas mais raras e imperceptíveis de desejo”. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O Lado Negro do Parto - Parte III: A Violência na Hora do Parto

Voltamos com mais um excelente ensaio de Adèle Valarini sobre os intrincados e obscuros processos que envolvem o parto em nossa cultura ocidental. Este é o terceiro e último ensaio da série. Os outros dois ensaios podem ser vistos aqui no Opus em posts anteriores!



Dia 25 de novembro é o Dia Internacional do Combate à Violência Contra a Mulher. É uma causa nobre, abraçada por milhares de pessoas, que se indignam cotidianamente com os relatos de humiliações e violências físicas e sexuais sofridas pelas mulheres de todas as classes sociais, no mundo todo. Mas, por algum motivo, quando se fala em violência contra a mulher, raramente menciona-se seu aspecto mais violento e predatório: a violência contra a mulher que está parindo, e contra seu filho que está nascendo.

A VIOLÊNCIA NA HORA DO PARTO

Você sabia que 1 em cada 4 mulheres relata ter sofrido algum tipo de abuso ou violência durante o seu parto? Você sabia que um dos maiores motivos da escolha pela cesária não é o medo da dor do parto, mas sim o medo de sofrer algum tipo de violência na hora do parto? Você sabia que a frase mais comum de se ouvir durante o parto é "ano que vem você tá aqui de novo" e a segunda mais comum é: "na hora de fazer, não reclamou, agora fica quieta!"?

Muitos arregalam os olhos diante dessas afirmações, sem saber que isso, na verdade, são os resultados de uma pesquisa recente, publicada em diversas revistas e jornais brasileiros, em fevereiro de 2011.

O momento do parto é um momento propício à violência de gênero. Trata-se de um momento em que a mulher se encontra em uma posição profundamente vulnerável, tanto física quanto psiquicamente, e isso permite à sociedade mantê-la em uma posição inferior e submissa, reforçando inconscientemente o lugar que tem ocupado na sociedade até hoje. 


Enquanto movimentos se organizam para resgatar e amparar mulheres que sofrem estupros, abusos e humilhações em suas casas e em seus empregos, as mulheres que param em instituições públicas e privadas ainda estão completamente a mercê dos profissionais da saúde, e as violências que sofrem são, muitas vezes, consideradas como normais, "apenas rotina do hospital", e ficam por isso mesmo. Não é à toa que o parto é visto hoje como uma experiência terrível, da qual vale a pena escapar sempre que possível. 

DE ONDE VEM ESSA VIOLÊNCIA

O obstetra humanizado Ricardo Jones, autor do livro Memórias do Homem de Vidro, afirma que o parto é um momento em que se confrontam as três esferas que mais amedrontam os seres humanos: o nascimento, a morte e a sexualidade. Ao confrontar-se com o desconhecido, aquilo que é incontrolável, que causa angústia, a tendência humana é criar ritos, para assim ter a ilusão de que a situação está sob controle. 

Parto ou exorcismo?
Hoje em dia, o parto, tanto o normal como a cesariana, está impregnado de uma ritualística quase religiosa: muito do que é feito nessa hora é feito do jeito que é feito porque se aprendeu assim na faculdade, ou porque sempre se fez assim.Raramente se encontram razões médicas reais para a maioria dos procedimentos que são feitos na hora do parto: trata-se, em sua maioria, de rituais, criados para dar-nos a ilusão de que o evento está sendo controlado, quando, na verdade, a única coisa que está sendo controlada, é a mulher que está parindo.


COMO SE EXPRESSA ESSA VIOLÊNCIA


"Quem faz o parto é o médico"
A violência na hora do parto começa quando se coloca a mulher em uma posição passiva, e se encarrega o médico de fazer o parto em seu lugar. A mulher não pare seu filho, está alheia ao que está acontecendo "lá embaixo". Ela não é protagonista de seu parto: está desempoderada.


 desempoderamento feminino na hora do parto cria uma impressão, uma "marca" inconsciente muito forte: a mulher passiva e submissa na hora do parto tende a ser uma mulher mais passiva e submissa em sua vida em geral, uma mãe mais medrosa, e mais dependente de conselhos (sobretudo do pediatra) na hora de tomar decisões acerca de seu papel de mãe.

Vejamos agora, mais em detalhes, algumas facetas dessa violência, tão discreta, porém tão cruel:

A Posição Do Parto

Posição supina de parto
A posição de parto mais comumente adotada nos hospitais brasileiros hoje em dia é a posição supina (deitada de barriga para cima), que, segundo a OMS, o Ministério da Saúde, a Biblioteca Cochrane e todas as fontes da medicina baseada em evidências, é a pior posição para parir, pois o peso da barriga causa uma compressão das artérias principais da mulher, dificultando a oxigenação do bebê e da mulher, e podendo causar sofrimento fetal. Também é uma posição que impede a correta dilatação dos ossos da bacia, diminuindo em até 30% o espaço que o bebê vai ter para passar, e que também dificulta na hora de fazer força, pois o bebê, ao sair, deve ser empurrado para cima, contra a gravidade. Com tantas contra-indicações, porquê então, continua sendo rotina nos hospitais? Bem, porque "facilita o trabalho do médico", que pode enxergar bem e mexer na área toda sem ter de fazer nenhum esforço. E daí se, para a mulher, dificulta muito mais?

A Falta de Privacidade e Desrespeito à Sexualidade

Durante o trabalho de parto no hospital, a mulher perde qualquer direito à privacidade. É comum estarem presentes diversas pessoas da equipe de saúde, entrando e saindo do quarto o tempo todo. É uma realidade, infelizmente, a completa falta de respeito à privacidade da mulher, e o total não-reconhecimento da natureza sexual do fenômeno parto, dentro do ambiente hospitalar. 

Uma mulher em trabalho de parto é vista e tocada por, em média, 16 pessoas, dentro de um hospital universitário. Com as trocas de plantão e a falta de comunicação entre as equipes, a história de "entrar e fazer um toque, para ver como a mãezinha está progredindo", chega quase ao ridículo. A seguinte fala, de uma parturiente secundípara, de 30 anos, retrata bem essa triste realidade:

"o toque [vaginal] era feito por mais pessoas, tinha uma médica que estava fazendo, depois trocou o plantão, aí veio mais gente, acho que uns dez estavam lá [...] uns cinco mais ou menos fizeram o toque na mesma hora [...] fizeram, e depois passava um tempo, e aí vinham tudo ao redor de novo [...] incomoda um pouco, incomodou porque machuca a gente [...] mas tinha que fazer, eu achei que fosse normal também." 

O toque vaginal é um aspecto mais sutil da questão, e é utilizado, geralmente, com 3 propósitos principais:
  • Medir a dilatação do colo uterino: nesse caso, o toque é indolor pois serve apenas para avaliar a dilatação. O toque pode ser usado durante o trabalho de parto, porém não é necessário fazê-lo. Segundo a OMS e o Ministério da Saúde, o toque vaginal não deveria ser feito em excesso, e deveria ser feito apenas com o consentimento da mulher.
  • Proceder a um descolamento manual das membranas amnióticas: trata-se de uma intervenção bastate usada nas últimas consultas do pré-natal, para induzir o parto. Não é recomendada pela OMS como procedimento a ser efetuado de rotina.
  • Proceder a uma dilatação manual do colo do útero: é um procedimento violento, extremamente doloroso, que muitas vezes resulta em edema do colo do útero e indicação de cesariana. Não é recomendado que se faça nunca.

O toque vaginal não deve doer. Se dói, é porque algo está errado: ou a paciente está muito tensa ou o médico está fazendo o toque com muita força. Porém, o que mais se encontra nos relatos de partos hospitalares, disponíveis na internet, são toques dolorosos, violentos, sem aviso prévio; toques acompanhados de abusos verbais, mulheres com seus genitais expostos diante de várias pessoas, sendo manualmente exploradas sem nenhum respeito por suas partes mais íntimas nem por sua sensibilidade. 


Partos traumáticos, marcados por esse tipo de violência, chegam a ter um impacto muito grande na dimensão sexual da mulher, e podem chegar ser tão traumatizantes quanto um estupro, trazendo consequências psicológicas muito similares.

As Intervenções de Rotina

Monitoramento fetal contínuo
É comum, na maioria dos hospitais brasileiros, que a mulher fique deitada durante todo o trabalho de parto, vestida apenas com uma camisolinha que deixa suas costas e bumbum expostos, recebendo soro na veia (muitas vezes adicionado de ocitocina artificial, para aumentar as contrações), e sendo monitorada constantemente por um monitor de batimentos cardíacos fetais, que impede sua movimentação livre. É rotina ainda procederem à raspagem dos pêlos pubianos (tricotomia) e a uma lavagem intestinal (enema) na hora da internação, para "preparar a mulher" e deixá-la "limpinha", e chamarem-na de "mãezinha", ao invés de chamá-la pelo nome, durante toda sua estadia no hospital. Todos esses procedimentos não têm nenhum embasamento científico para serem usados de rotina nos hospitais, e têm um efeito psicológico muito claro: a humiliação e infantilização da mulher, que é tratada como uma criancinha tola, senão uma doente (física e mental) duante todo o parto. O efeito imediato desse tratamento é o desempoderamento da mulher.


Na hora do expulsivo, que é quando o bebê realmente nasce, as intervenções ficam mais agressivas, e, geralmente, o tratamento à paciente tende a acompanhar o movimento. Nessa hora, muito do que sai da boca da equipe médica são ordens ou recriminações: "Faz força!", "Assim não!", "Tá fazendo errado!", "Não grita!", "Achou que ia ser fácil? Vamos lá! Força!". É comum que um enfermeiro, de preferência grande e forte, faça força sobre a barriga da mulher (Manobra de Kristeller), reforçando a idéia de que, sem ajuda, ela é incapaz de parir. E então, vem a famosa intervenção, temida por 100% das mulheres, primíparas ou não, a episiotomia. 

episiotomia é um corte feito na vagina da mulher bem na hora em que a cabeça do bebê está passando. Durante muitos anos acreditou-se que a episiotomia era importantíssima, pois cicatrizava mais facilmente do que as lacerações naturais, que acontecem muitas vezes durante o parto. Acreditava-se também que ela prevenia problemas de "bexiga caída" após o parto, e ela foi, por muitos anos, chamada de "ponto do marido", pois os médicos prometíam deixar a vagina "apertadinha de novo" ao costurá-la. Hoje, graças às informações baseadas em evidências, sabe-se que não é o caso, que as lacerações naturais cicatrizam muito melhor do que a episiotomia, e que esta só deveria ser praticada em 10 a 15% dos partos, quando existem indicações médicas reais para isso.  


Não existem justificativas válidas para explicar porquê quase 100% das mulheres passam por este procedimento de forma rotineira nas maternidades, a menos que se entenda o parto como um rito de passagem, e um dos rituais adotados pelos médicos neste rito é a mutilação da vagina, símbolo ocidental da maternidade (pois é, somos doidos mesmo!).

Os Cuidados com o Bebê

E é nesse ambiente de loucura e violência, em meio a um ritual bárbaro cercado por tecnologia de ponta, que chegam ao mundo nossos filhotes. E são imediatamente levados para uma "inspecção de rotina", que inclui: aspiração com sonda em todas as suas vias (nariz, boca, garganta, e muitas vezes ânus também), ser esfregado com panos rígidos e depois lavado com água (muitas vezes fria) e sabão, receber as primeiras injeções e exames médicos, e, por fim, receber umas gotinhas de nitrato de prata nos olhos (e nas meninas, também na vulva), que causam uma sensação imediata de ardor e geram, em mais de 50% dos bebês, uma conjuntivite crônica, que afeta sua visão, e sua capacidade de abrir os olhos, durante até quatro dias após o parto. 


Depois desse recebimento hostil, o bebê é colocado em um bercinho aquecido, onde fica "em observação", sozinho, gritando por sua mãe, durante algumas horas (às vezes mais de 8 horas). Somente depois de passar por tudo isso é que mãe e filho serão reunidos, e poderão então lamber suas feridas e começar uma nova vida juntos, tentando esquecer o evento traumático que acabam de vivenciar. 

Verbose: Quando a Palavra é um Problema 

Verbose é a patologia da palavra ou, em outros termos, a iatrogenia causada pela palavra. A iatrogenia ocorre quando aquilo que deveria ser fonte de cuidado e cura vira fonte de mal-estar e patologia, ou seja, quando a intervenção acaba fazendo mais mal do que bem. Até aqui, vimos como o parto, no modelo hospitalar brasileiro dominante hoje, está saturado de iatrogenias, porém, a iatrogenia da palavra adquire, no contexto do parto, um sentido especial, e vale a pena ressaltá-lo.

O parto depende de um delicado equilíbrio hormonal para evoluir corretamente. O hormônio principal desse "coquetel de hormônios" do parto é a ocitocina endógena, um hormônio que é responsável também pela sensação de orgasmo, e depende de um determinado estado mental para ser liberado com eficácia. Este estado mental é de calma e descontração, relaxamento e tranquilidade. É um estado mental que propicia a entrega do corpo e é comparável ao estado mental da pessoa durante uma relação sexual. Biologicamente, o que acontece é um "desligamento" do neocórtex, a parte mais "racional" do cérebro, deixando a parte mais primitiva do cérebro em total controle do que está acontecendo: é um transe, e no parto, é chamado de Partolândia.

Assim como durante a relação sexual, qualquer palavra mal colocada durante o trabalho de parto pode "quebrar o clima" completamente, fazendo o processo "travar". Por isso é muito importante ficar atentos ao que se diz em presença de uma mulher em trabalho de parto.




segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Gostei.



"Você não percebe que o objetivo do Newspeak é reduzir a extensão do pensamento? No fim das contas faremos com que o pensamentocrime seja literalmente impossível, porque não haverá palavras para expressá-lo. Todo conceito que efetivamente possa vir a ser necessário, será dito com exatamente uma única palavra, cujo sentido será rigidamente definido e terá todos seus sentidos conexos apagados e esquecidos. A cada ano menos e menos palavras, e a extensão da consciência será sempre um pouco menor". 

- George Orwell, 1984

NOTA: Seminário Serviços Psicológicos Online 22/11



O Conselho Federal de Psicologia (CFP) realiza, nesta terça-feira, 22 de novembro, das 9h às 14h, o seminário: Serviços Psicológicos Online, transmitido via internet na página www.pol.org.br .

O objetivo é discutir o papel da rede em especial os aspectos interdisciplinares presentes nos serviços psicológicos online. Por exemplo o atendimento psicoterapêutico mediado pelo computador, prática ainda não reconhecida pela Psicologia, mas que conforme prevê Resolução CFP nº12/2005 pode ser utilizado em caráter experimental. 

O evento terá início com a conferência de abertura “As diversas formas da psicologia: Psicoterapia online”, seguida pela mesa “Psicoterapia online: histórico no Brasil e no mundo” e pela conferência “Cibercultura, Novas Mídias e Produção de Subjetividade”.

Entre os participantes, estão a psicoterapeuta e coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática (NPPI) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosa Farah, a psicóloga colaboradora do NPPI, Luciana Ruffo, a psicóloga Maria Adelia Pieta, que estuda a relação terapêutica na Psicoterapia pela Internet e José Carlos Ribeiro, psicólogo e pesquisador associado aos Programas de Pós-graduação em Psicologia (UFBA) e em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA).

---

Na modernidade líquida as meta-narrativas constituintes do estado moderno perderam seu sentido, as instituições tradicionais (família, escola, trabalho, raça) se vêem cada vez menos cristalizadas diante da crescente complexidade de um mundo da compressão espaço-temporal, da pluralidade e da miríade de possibilidades de construção da identidade. O sujeito moderno era uma unidade interiorizada e isolada, mas o sujeito pós-moderno, desprovido de essência, é cada vez mais reconhecido por um conjunto de performances culturalmente inteligíveis, entre elas, o consumo fetichizado e a vivência dos espaços virtuais.

A aceleração dos ritmos do cotidiano, o isolamento, a perda de referenciais institucionais para a construção de identidade tem seu preço sobre esse indivíduo resultando em uma terrível angústia que se origina na impotência de articular relações mais duráveis e estáveis com os membros da sociedade líquida moderna.

Será possível ao fazer uso de um dos desdobramentos dessa modernidade líquida, o espaço virtual intermediado pela tecnologia da informação, estabelecer um rapport  terapêutico que permita findar ou tolerar o sofrimento que em certa parte é produzido por esse elemento constituinte do estado de liquidez das coisas?

Inscreva-se e aplique seu kung fu discursivo!