quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Lado Negro do Parto: tudo aquilo que ninguém te contará sobre o processo. Por Adéle Valarini, amiga do Opus




O texto que segue é o primeiro de uma série de três ensaios formidáveis pela sapientíssima Adèle Valarini: doula em treinamento, futura psicóloga, e mais do que suas futuras profissões, ser humano profundamente engajado com a humanidade de ser. Como diz o título deste post, aqui serão abordadas as facetas da medicalização do parto. Prestem atenção à quantidade de informação, estilo claro e irreverente da autora, cujo nome é cada vez mais conhecido nos vários círculos de doulas e parteiras do Brasil. Caso esta série de ensaios inspire noss@s leitore/as, dirija-se ao fim da página do blog e entre no link que o enviará ao blog de própria Adèle, uma extraordinária enciclopédia sobre o parto humanizado.


Devo admitir que sinto até certa vergonha ao ler suas palavras e me encontrar num estado de abjeta ignorância em relação a um fenômeno, a gestação e parto, que minha formação abordou tão pouco. Por outro lado, é este o instante para aprender!



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Todos nós sabemos sobre parto. O básico, né? Todos temos aquele conhecimento que nos vem de todo lugar e de lugar nenhum sobre o que é um parto normal, como funciona, o que se deve ou não fazer durante a gravidez e o que deveria ou não acontecer nessa hora.

Mas, quando pesquisamos um pouquinho mais a respeito do que acontece realmente durante a gestação e o parto, percebemos que a maior parte do que sabemos não é lá tão certo assim, e muitas verdades até então ocultas podem assustar, ou até chocar, aqueles que achavam que já conheciam a coisa, e até mesmo aqueles que já passaram por uma experiência de parto encaixada no modelo tecnocrático e intervencionista dominante hoje no Brasil.

A metáfora utilizada para descrever aqueles que escolhem se aprofundar nos temas referentes ao parto e à gestação é a saída da Matrix, com a opção dada a Neo de tomar a pílula azul e voltar para sua casa, como se nada tivesse acontecido, ou tomar a pílula vermelha e “acordar” para a realidade, sem possibilidade de retorno.

O que lhes ofereço aqui é a pílula vermelha.



- Os efeitos ocultos do ultrassom

O ultrassom foi desenvolvido no início dos anos oitenta, e seu uso em obstetrícia foi rapidamente se estendendo e substituindo o raio-X que, havia-se descoberto recentemente, afetava negativamente o feto em formação.

No início dos anos noventa, o ultrassom já se havia tornado uma ferramenta rotineira nos exames pré-natais, cujos aspectos positivos, como a possibilidade inédita de fazer diagnósticos pré-natais e do casal ver o filho se mexendo na barriga, ao vivo, eram amplamente difundidos, enquanto seus efeitos colaterais permaneciam ainda pouco conhecidos, pouco estudados e, sobretudo, pouco divulgados.

Nos anos noventa, o ultrassom começou a ser utilizado também para o tratamento de casos de pedras nos rins, nos quais era utilizado para destruir os corpos estranhos. Seus efeitos colaterais passaram a ser mais conhecidos, porém, continuavam sem ser divulgados, sobretudo aos pacientes que faziam maior uso da tecnologia: as gestantes.

Até hoje, poucos sabem que o ultrassom não é apenas uma câmera que vê o bebê live no útero, e sim uma onda de ultrassom que é lançada na direção do feto e reverbera nos seus tecidos, criando um “eco”, que é captado pela máquina, que monta então uma imagem na tela do computador.

Acontece que essa onda de ultrassom é capaz de modificar os tecidos nos quais reverbera, aumentando sua temperatura. O uso prolongado do ultrassom pode causar um aumento de até 1°C nos tecidos cerebrais do feto, o que pode causar problemas. Tem-se observado um maior número de bebês com lateralidade invertida (canhotos) nascidos desde o início do uso do ultrassom como rotina pré-natal.

E o aquecimento produzido pelo ultrassom não afeta apenas os tecidos humanos, mas também os gazes que se encontram dentro dos tecidos, fazendo-os se expandir e estourar os tecidos, o que é chamado de cavitação. O uso prolongado do ultrassom pode produzir danos cerebrais por cavitação do tecido cerebral, que são permanentes.

O Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde recomendam que sejam feitos poucos ultrassons durante a gestação (não seriam necessários mais do que 3), e que sejam sempre com recomendação médica, e não para o simples prazer dos pais de “ver seu filho na telinha”.

Outro problema gerado pelo uso do ultrassom é o aumento do stress pré-natal, graças a diagnósticos pouco confiáveis.

Muitas vezes usado para determinar a idade gestacional do feto, o ultrassom tem um margem de erro de duas semanas para mais ou para menos, o que significa que um bebê com idade gestacional de 38 semanas no ultrassom (considerado a termo) pode ter na verdade 40 semanas (plenamente a termo) ou então 36 semanas (prematuro).

O ultrassom, na realidade, não é uma ferramenta apropriada de diagnóstico: todos os diagnósticos feitos graças ao ultrassom devem ser verificados com exames apropriados. O ultrassom é origem de muitos resultados equivocados, os chamados “falsos-positivos” e “falsos-negativos”, que são geradores de angústia no casal. O stress materno afeta o desenvolvimento do bebê, portanto, o ultrassom que causa stress na mãe afeta negativamente o desenvolvimento fetal.

Em alguns países da Europa, onde o aborto é legalizado, relatam-se muitos casos de mulheres que optam pelo abortopor causa de diagnósticos feitos com o ultrassom e acabam abortando fetos perfeitamente saudáveis. Estudos recentes apontaram que não existe nenhum benefício comprovado no uso do ultrassom de maneira rotineira durante o pré-natal.



- O parto é sexo

O trabalho de parto, hoje em dia, é geralmente representado como uma experiência dolorosa, que quase sempre põe em risco a vida de ambos, mãe e bebê, e sempre é visto como um evento médico.

Na maioria dos filmes, novelas e seriados, a mulher entra em trabalho de parto e corre para o hospital, passando geralmente por alguma tragédia horrível que exige que a equipe médica salve sua vida e a do bebê, quando não “morre de parto”, como acontece freqüentemente nas novelas brasileiras. O pai fica totalmente fora da equação, na grande maioria dos casos.

Nossa cultura associa o parto à morte de tal maneira, que se esquece de que o parto é, na realidade, um evento fisiológico, natural, que faz parte da vida sexual do casal. A gestação começa com uma relação sexual e transcorre envolvida em um caldo de hormônios sexuais, tem grande efeito sobre a vida sexual do casal, porque haveria então o parto de ser um evento médico, uma emergência, e não um evento sexual também?

A parteira americana Ina May Gaskin comenta que, quando deixada em paz, a mulher em trabalho de parto faz ruídos que lembram muito os ruídos de uma relação sexual prazerosa, e que, para que o trabalho de parto transcorra da melhor maneira possível, o ambiente também deve ser similar ao que propiciaria as condições ideais para uma boa entrega sexual. Isso significa ter privacidade, e poder desfrutar de momentos agradáveis de relaxamento e entrega sexual.

Para Ina May, é importantíssimo que a privacidade do casal seja respeitada durante o trabalho de parto, por uma razão muito simples e lógica: o colo do útero é um esfíncter, e como qualquer esfíncter, seu funcionamento não depende da vontade de seu dono, mas sim de seu nível de relaxamento. Faça o teste, experimente fazer cocô diante de uma platéia, ou com hora marcada, e entenderá como um esfíncter pode ser caprichoso e independente.

A entrega sexual na hora do parto não necessariamente significa fazer sexo, mas sim criar uma atmosfera de entrega e intimidade entre a mulher e seu parceiro, que pode, e deve, estar presente nessa hora. Beijos apaixonados, massagens, carinhos, chamegos, palavras amorosas, ajudam a relaxar a mulher em trabalho de parto, facilitando o trabalho de dilatação. O sexo em si não é contra-indicado, a menos que a bolsa amniótica já tenha rompido, e pode ser uma maneira muito agradável de iniciar o trabalho de parto.

Em ambientes propícios, que respeitam a privacidade e a entrega do casal, a experiência do parto deixa de ser uma imagem daquelas de deixar os cabelos em pé e as palmas das mãos suadas, e passa a ser uma imagem às vezes constrangedora de se olhar pela intimidade e sexualidade que dela emanam. Um pai, no documentário Orgasmic Birth, the Best Kept Secret, menciona que, na hora em que seu filho nasceu, sua mulher estava de quatro, com a bochecha apoiada na sua, suando, gemendo... Realmente parecia que estavam transando!

No mesmo documentário, a jovem Amber relata que, durante o nascimento de sua filha, sentiu nitidamente dois orgasmos maravilhosos, como um excesso de energia que ela precisava liberar; e seu marido conta que não acreditou quando viu o rosto de sua mulher se diluir em êxtase no que ele esperava ser o momento mais doloroso da vida de qualquer mulher.

A parteira Ina May Gaskin é outra que relata ter sentido uma experiência próxima do orgasmo no nascimento de seu filho, e diz que, após fazer uma pesquisa informal com as mulheres de sua região, chegou ao surpreendente resultado de 21% de mulheres que diziam ter sentido prazer durante o seu parto, que na maioria das vezes havia sido natural e em casa.

O principal hormônio responsável pelo trabalho de parto é a ocitocina, o famoso “hormônio do amor”, que produz contrações do útero ao mesmo tempo em que gera uma sensação muito forte de prazer, amor e euforia. Isso é um fenômeno fisiológico que serve para diminuir a sensação de dor, é uma “anestesia natural”, e conforme o trabalho de parto vai avançando, é produzida cada vez mais ocitocina, que causa cada vez mais contrações e cada vez mais prazer, até propiciar um estado alterado da consciência, o transe do parto, chamado Partolândia, que é muito similar aos momentos que antecedem o orgasmo: a pessoa perde a noção do tempo e da realidade, se volta para dentro de si mesma para então explodir no prazer do gozo.

A ocitocina é liberada em momentos de prazer intenso, como durante o orgasmo, e em momentos de tensão é liberado o hormônio adrenalina, que impede a correta absorção da ocitocina pelo organismo. A adrenalina é o hormônio do medo, e uma de suas funções é preparar o indivíduo para a luta ou para a fuga, tensionando seus músculos. A adrenalina é o inimigo número um da ocitocina, e o medo é o inimigo número um do parto. Quando a mulher sente medo, ela tensiona os músculos, o que atrapalha a dilatação e a passagem do bebê, e não consegue absorver corretamente a ocitocina, o que a faz sentir dor. É um círculo vicioso: medo gera tensão, e isso traz dor.

A função da equipe de saúde é, idealmente, propiciar um ambiente de parto que não coloque a mulher no círculo vicioso de medo-tensão-dor, o que ainda é muito raro nos hospitais brasileiros. Essa é a proposta do Parto Humanizado: resgatar a intimidade do parto, respeitando sua natureza sexual e o delicado equilíbrio hormonal envolvido em seus processos naturais.

4 comentários:

  1. Well said Adele! Para bems, tem que educar o povo!

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  2. Puxa vida! o que me deixa chateada é que minha avó e minha mãe tiveram seus filhos em casa e não me contaram nada disso porque foram convencidas que "naquele tempo era difícil... hoje é melhor porque a medicina evoluiu muito... e ninguém mais tem filho em casa... bla-bla-bla!". Minha avó teve 11, minha mãe 3. Detalhe: TODOS os partos bem sucedidos, sem nenhum tipo de problema. Graças a essa herança genética tive dois partos normais, mas vejo que podia ter sido Muito Melhor!!!, poia mesmo não apresentando problema algum fui vítima: do maldito corte (epísio, né?); do soro para adiantar o parto (meu Deus, minha dilatação estava normal!); de anestesia (pasmem: só um pouquinho de Geral porque não deu tempo de Peridural. Com isso meu filho nasceu às 11 h, só pude vê-lo às 16 h). Graças a Deus existem pessoas como a Adélia e cia. gostaria muito de contar a minha avó que estamos "desevoluindo" e voltando a ser o que ela foi: uma mãe de verdade, pondo seus filhos no mundo com naturalidade e amor e, muito por isso, morreu faltando um mês para completar 100 anos.

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  3. há! não posso contar pra minha avó, mas posso me orgulhar da minha filha Patrícia fazer parte desse "resgate ao natural" (ela é Doula). Fico feliz do meu neto chegar a este mundo do mesmo jeito que a avó dele chegou: com tranquilidade e afeto. Parabéns querida filha! e muito obrigada!

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  4. Excelente texto, ótimas informações que devem ser repassadas! Parabéns! Divulguei.

    Só uma sugestão, modificar o título para que não seja associado o negro a um sentido pejorativo como sempre tem sido feito...

    Kika

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