O texto que segue é o primeiro de uma série de três ensaios formidáveis pela sapientíssima Adèle Valarini: doula em treinamento, futura psicóloga, e mais do que suas futuras profissões, ser humano profundamente engajado com a humanidade de ser. Como diz o título deste post, aqui serão abordadas as facetas da medicalização do parto. Prestem atenção à quantidade de informação, estilo claro e irreverente da autora, cujo nome é cada vez mais conhecido nos vários círculos de doulas e parteiras do Brasil. Caso esta série de ensaios inspire noss@s leitore/as, dirija-se ao fim da página do blog e entre no link que o enviará ao blog de própria Adèle, uma extraordinária enciclopédia sobre o parto humanizado.
Devo admitir que sinto até certa vergonha ao ler suas palavras e me encontrar num estado de abjeta ignorância em relação a um fenômeno, a gestação e parto, que minha formação abordou tão pouco. Por outro lado, é este o instante para aprender!
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Todos nós sabemos sobre parto. O
básico, né? Todos temos aquele conhecimento que nos vem de todo lugar e de
lugar nenhum sobre o que é um parto normal, como funciona, o que se deve ou não
fazer durante a gravidez e o que deveria ou não acontecer nessa hora.
Mas, quando pesquisamos um
pouquinho mais a respeito do que acontece realmente durante a gestação e
o parto, percebemos que a maior parte do que sabemos não é lá tão certo assim,
e muitas verdades até então ocultas podem assustar, ou até chocar, aqueles que
achavam que já conheciam a coisa, e até mesmo aqueles que já passaram por uma
experiência de parto encaixada no modelo tecnocrático e intervencionista
dominante hoje no Brasil.
A metáfora utilizada para
descrever aqueles que escolhem se aprofundar nos temas referentes ao parto e à
gestação é a saída da Matrix, com a opção dada a Neo de tomar a pílula azul e
voltar para sua casa, como se nada tivesse acontecido, ou tomar a pílula
vermelha e “acordar” para a realidade, sem possibilidade de retorno.
O que lhes ofereço aqui é a pílula
vermelha.
- Os efeitos ocultos do ultrassom
O ultrassom foi desenvolvido no
início dos anos oitenta, e seu uso em obstetrícia foi rapidamente se estendendo
e substituindo o raio-X que, havia-se descoberto recentemente, afetava
negativamente o feto em formação.
No início dos anos noventa, o
ultrassom já se havia tornado uma ferramenta rotineira nos exames pré-natais,
cujos aspectos positivos, como a possibilidade inédita de fazer diagnósticos
pré-natais e do casal ver o filho se mexendo na barriga, ao vivo, eram
amplamente difundidos, enquanto seus efeitos colaterais permaneciam ainda pouco
conhecidos, pouco estudados e, sobretudo, pouco divulgados.
Nos anos noventa, o ultrassom
começou a ser utilizado também para o tratamento de casos de pedras nos rins,
nos quais era utilizado para destruir os corpos estranhos. Seus efeitos
colaterais passaram a ser mais conhecidos, porém, continuavam sem ser
divulgados, sobretudo aos pacientes que faziam maior uso da tecnologia: as
gestantes.
Até hoje, poucos sabem que o
ultrassom não é apenas uma câmera que vê o bebê live no útero, e sim uma onda
de ultrassom que é lançada na direção do feto e reverbera nos seus tecidos,
criando um “eco”, que é captado pela máquina, que monta então uma imagem na
tela do computador.
Acontece que essa onda de
ultrassom é capaz de modificar os tecidos nos quais reverbera, aumentando sua
temperatura. O uso prolongado do ultrassom pode causar um aumento de até 1°C
nos tecidos cerebrais do feto, o que pode causar problemas. Tem-se observado um
maior número de bebês com lateralidade invertida (canhotos) nascidos desde o
início do uso do ultrassom como rotina pré-natal.
E o aquecimento produzido
pelo ultrassom não afeta apenas os tecidos humanos, mas também os gazes que se
encontram dentro dos tecidos, fazendo-os se expandir e estourar os tecidos, o
que é chamado de cavitação. O uso prolongado do ultrassom pode produzir danos
cerebrais por cavitação do tecido cerebral, que são permanentes.
O Ministério
da Saúde e a Organização Mundial da Saúde recomendam que sejam feitos poucos
ultrassons durante a gestação (não seriam necessários mais do que 3), e que
sejam sempre com recomendação médica, e não para o simples prazer dos pais de
“ver seu filho na telinha”.
Outro problema gerado pelo uso do ultrassom é o
aumento do stress pré-natal, graças a diagnósticos pouco confiáveis.
Muitas vezes usado para determinar
a idade gestacional do feto, o ultrassom tem um margem de erro de duas semanas
para mais ou para menos, o que significa que um bebê com idade gestacional de
38 semanas no ultrassom (considerado a termo) pode ter na verdade 40 semanas
(plenamente a termo) ou então 36 semanas (prematuro).
O ultrassom, na realidade, não é
uma ferramenta apropriada de diagnóstico: todos os diagnósticos feitos graças
ao ultrassom devem ser verificados com exames apropriados. O ultrassom é origem
de muitos resultados equivocados, os chamados “falsos-positivos” e
“falsos-negativos”, que são geradores de angústia no casal. O stress materno afeta
o desenvolvimento do bebê, portanto, o ultrassom que causa stress na mãe afeta
negativamente o desenvolvimento fetal.
Em alguns países da Europa, onde o
aborto é legalizado, relatam-se muitos casos de mulheres que optam pelo
abortopor causa de diagnósticos feitos com o ultrassom e acabam abortando fetos
perfeitamente saudáveis. Estudos recentes apontaram que não existe nenhum
benefício comprovado no uso do ultrassom de maneira rotineira durante o
pré-natal.
- O parto é sexo
O trabalho de parto, hoje em dia,
é geralmente representado como uma experiência dolorosa, que quase sempre põe
em risco a vida de ambos, mãe e bebê, e sempre é visto como um evento médico.
Na maioria dos filmes, novelas e
seriados, a mulher entra em trabalho de parto e corre para o hospital, passando
geralmente por alguma tragédia horrível que exige que a equipe médica salve sua
vida e a do bebê, quando não “morre de parto”, como acontece freqüentemente nas
novelas brasileiras. O pai fica totalmente fora da equação, na grande maioria
dos casos.
Nossa cultura associa o parto à
morte de tal maneira, que se esquece de que o parto é, na realidade, um evento
fisiológico, natural, que faz parte da vida sexual do casal. A gestação começa
com uma relação sexual e transcorre envolvida em um caldo de hormônios sexuais,
tem grande efeito sobre a vida sexual do casal, porque haveria então o parto de
ser um evento médico, uma emergência, e não um evento sexual também?
A parteira americana Ina May
Gaskin comenta que, quando deixada em paz, a mulher em trabalho de parto faz
ruídos que lembram muito os ruídos de uma relação sexual prazerosa, e que, para
que o trabalho de parto transcorra da melhor maneira possível, o ambiente
também deve ser similar ao que propiciaria as condições ideais para uma boa
entrega sexual. Isso significa ter privacidade, e poder desfrutar de momentos
agradáveis de relaxamento e entrega sexual.
Para Ina May, é importantíssimo
que a privacidade do casal seja respeitada durante o trabalho de parto, por uma
razão muito simples e lógica: o colo do útero é um esfíncter, e como qualquer
esfíncter, seu funcionamento não depende da vontade de seu dono, mas sim de seu
nível de relaxamento. Faça o teste, experimente fazer cocô diante de uma
platéia, ou com hora marcada, e entenderá como um esfíncter pode ser caprichoso
e independente.
A entrega sexual na hora do parto
não necessariamente significa fazer sexo, mas sim criar uma atmosfera de
entrega e intimidade entre a mulher e seu parceiro, que pode, e deve, estar
presente nessa hora. Beijos apaixonados, massagens, carinhos, chamegos,
palavras amorosas, ajudam a relaxar a mulher em trabalho de parto, facilitando
o trabalho de dilatação. O sexo em si não é contra-indicado, a menos que a
bolsa amniótica já tenha rompido, e pode ser uma maneira muito agradável de
iniciar o trabalho de parto.
Em ambientes propícios, que
respeitam a privacidade e a entrega do casal, a experiência do parto deixa de
ser uma imagem daquelas de deixar os cabelos em pé e as palmas das mãos suadas,
e passa a ser uma imagem às vezes constrangedora de se olhar pela intimidade e
sexualidade que dela emanam. Um pai, no documentário Orgasmic Birth, the Best
Kept Secret, menciona que, na hora em que seu filho nasceu, sua mulher estava
de quatro, com a bochecha apoiada na sua, suando, gemendo... Realmente parecia
que estavam transando!
No mesmo documentário, a jovem
Amber relata que, durante o nascimento de sua filha, sentiu nitidamente dois
orgasmos maravilhosos, como um excesso de energia que ela precisava liberar; e
seu marido conta que não acreditou quando viu o rosto de sua mulher se diluir
em êxtase no que ele esperava ser o momento mais doloroso da vida de qualquer
mulher.
A parteira Ina May Gaskin é outra
que relata ter sentido uma experiência próxima do orgasmo no nascimento de seu
filho, e diz que, após fazer uma pesquisa informal com as mulheres de sua
região, chegou ao surpreendente resultado de 21% de mulheres que diziam ter
sentido prazer durante o seu parto, que na maioria das vezes havia sido natural
e em casa.
O principal hormônio responsável
pelo trabalho de parto é a ocitocina, o famoso “hormônio do amor”, que produz
contrações do útero ao mesmo tempo em que gera uma sensação muito forte de
prazer, amor e euforia. Isso é um fenômeno fisiológico que serve para diminuir
a sensação de dor, é uma “anestesia natural”, e conforme o trabalho de parto
vai avançando, é produzida cada vez mais ocitocina, que causa cada vez mais
contrações e cada vez mais prazer, até propiciar um estado alterado da
consciência, o transe do parto, chamado Partolândia, que é muito similar aos
momentos que antecedem o orgasmo: a pessoa perde a noção do tempo e da
realidade, se volta para dentro de si mesma para então explodir no prazer do
gozo.
A ocitocina é liberada em momentos
de prazer intenso, como durante o orgasmo, e em momentos de tensão é liberado o
hormônio adrenalina, que impede a correta absorção da ocitocina pelo organismo.
A adrenalina é o hormônio do medo, e uma de suas funções é preparar o indivíduo
para a luta ou para a fuga, tensionando seus músculos. A adrenalina é o inimigo
número um da ocitocina, e o medo é o inimigo número um do parto. Quando a
mulher sente medo, ela tensiona os músculos, o que atrapalha a dilatação e a
passagem do bebê, e não consegue absorver corretamente a ocitocina, o que a faz
sentir dor. É um círculo vicioso: medo gera tensão, e isso traz dor.
A função da equipe de saúde é,
idealmente, propiciar um ambiente de parto que não coloque a mulher no círculo
vicioso de medo-tensão-dor, o que ainda é muito raro nos hospitais brasileiros.
Essa é a proposta do Parto Humanizado: resgatar a intimidade do parto,
respeitando sua natureza sexual e o delicado equilíbrio hormonal envolvido em
seus processos naturais.
Well said Adele! Para bems, tem que educar o povo!
ResponderExcluirPuxa vida! o que me deixa chateada é que minha avó e minha mãe tiveram seus filhos em casa e não me contaram nada disso porque foram convencidas que "naquele tempo era difícil... hoje é melhor porque a medicina evoluiu muito... e ninguém mais tem filho em casa... bla-bla-bla!". Minha avó teve 11, minha mãe 3. Detalhe: TODOS os partos bem sucedidos, sem nenhum tipo de problema. Graças a essa herança genética tive dois partos normais, mas vejo que podia ter sido Muito Melhor!!!, poia mesmo não apresentando problema algum fui vítima: do maldito corte (epísio, né?); do soro para adiantar o parto (meu Deus, minha dilatação estava normal!); de anestesia (pasmem: só um pouquinho de Geral porque não deu tempo de Peridural. Com isso meu filho nasceu às 11 h, só pude vê-lo às 16 h). Graças a Deus existem pessoas como a Adélia e cia. gostaria muito de contar a minha avó que estamos "desevoluindo" e voltando a ser o que ela foi: uma mãe de verdade, pondo seus filhos no mundo com naturalidade e amor e, muito por isso, morreu faltando um mês para completar 100 anos.
ResponderExcluirhá! não posso contar pra minha avó, mas posso me orgulhar da minha filha Patrícia fazer parte desse "resgate ao natural" (ela é Doula). Fico feliz do meu neto chegar a este mundo do mesmo jeito que a avó dele chegou: com tranquilidade e afeto. Parabéns querida filha! e muito obrigada!
ResponderExcluirExcelente texto, ótimas informações que devem ser repassadas! Parabéns! Divulguei.
ResponderExcluirSó uma sugestão, modificar o título para que não seja associado o negro a um sentido pejorativo como sempre tem sido feito...
Kika