sábado, 26 de novembro de 2011

Justiça VS Poder: Debate entre Noam Chomsky e Michel Foucault


O debate foi transmitido para a TV alemã em 1971. O vídeo é apenas uma parte do debate e começa com Chomsky argumentando que a liberdade, criatividade e o amor são características intrínsecas da natureza humana e que uma sociedade decente deveria maximizar essas potencialidades inatas através da superação dos mecanismos de repressão, opressão e coerção existentes. Ainda argumenta que o modelo que estaria mais adequado para uma sociedade tecnologicamente avançada seria o anarco-sindicalismo, caracterizado por um sistema federativo, descentralizado de associação livre.

Foucault ataca as afirmações de Chomsky questionando dois pontos fundamentais de seu argumento, um é sobre como se dão as relações de poder e o outro sobre a noção de natureza humana. Sobre as relações de poder, Foucault começa afirmando que não é capaz de propor uma solução de funcionamento social ideal, porém, argumenta que em nossa cultura ocidental é um hábito considerar que o poder está na mão do estado e que este exerce seu poder através de suas instituições administrativas e coercivas.

No entanto, Foucault aponta que o poder político também se exerce pela medição de instituições que aparentemente são independentes e não possuem relação alguma com esse tipo de poder. Como o sistema escolar, a medicina, psicologia e o direito, que muitas vezes são vistas como instituições que buscam transmitir saberes com o objetivo de melhorar a sociedade e a vida das pessoas, mas que na prática promovem os mesmos mecanismos de poder que perpetuam as condições de dominação e controle de uma elite privilegiada em detrimento de outros grupos sociais. Foucault então afirma que o verdadeiro objetivo do engajamento político em uma sociedade como a nossa, seria, antes de tudo, o de criticar os jogos dessas instituições aparentemente neutras e independentes, de forma que a violência que se exerce sutilmente nelas seja evidenciada, para que se possa enfim lutar contra elas. Ainda enfatiza que diante da impossibilidade de se reconhecer esses pontos de apoio indiretos, porém fundamentais do poder das classes dominantes, corremos o sério risco de manter sua existência. Uma existência que é capaz de se reconstituir e reinventar de várias formas, mesmo através de um processo aparentemente revolucionário.

A noção de natureza humana é criticada em torno da mesma questão. Levando em consideração que a natureza humana é algo bastante complicado de se definir - não é a toa que se trata de uma questão de difícil solução que faz parte do hall de problemas mais cabeludos enfrentados pela filosofia e ciências até os dias de hoje - não corremos o risco de manter as relações opressivas de poder que constituem nossa sociedade tentando solucionar nossos problemas sociais a partir de um modelo social ideal baseado em uma noção de natureza humana universal? Ora, se como afirma Foucault e posteriormente concorda Chomsky, que a natureza humana é algo inapreensível, cujas proposições discursivas que tentam defini-la sofrem limitações evidentes e são influenciadas por noções e preceitos morais que fazer parte de um contexto histórico e cultural específico, parece bastante complexo e perigoso tentar formular uma solução por esses termos.  

A crítica de Foucault ganha peso quando a noção de Chomsky sobre natureza humana se assemelha bastante aquela definida pelo Iluminismo e defendida pelo Positivismo, que é a noção universal do homem racional, senhor de si e essencialmente bom. Nesse sentido, a solução de Chomsky acaba sendo fundamentada em um ideal de homem que foi criado justamente no contexto que ele busca combater e transformar. Foucault ao afirmar que as classes dominantes possuem o poder de se reinventar, mesmo através de um processo aparentemente revolucionário, deixa bem claro as limitações e contradições do argumento de Chomsky.

Apesar de concordar com os argumentos de Foucault e acreditar que ele demonstra certa ingenuidade por parte de Chomsky, concordo com a resposta deste, quando afirma que definir uma forma de funcionamento ideal para sociedade baseado em uma noção de natureza humana enfrenta os mesmos problemas que a ação política direta, ou seja, mesmo diante das incertezas e possíveis equívocos, a demanda por um curso de ação se faz necessária, pois no contexto atual é de importância crítica que tenhamos algum tipo de direção. Propor soluções é sempre uma tarefa árdua, permeada por contradições e ambigüidades, mas que precisa acontecer. No entanto, a questão é que soluções que acabam por servir ao status quo ou transferir o poder da elite dominante para outra elite dominante não são soluções de fato, pois perpetuam a mesma estrutura social que permite que as relações de poder e dominação continuem indefinidamente. Temos como exemplos claros a Revolução Francesa, A Revolução Russa e a Revolução Cultural Chinesa. Nesse aspecto, as críticas de Foucault foram de uma precisão cirúrgica.

Para concluir deixo algumas perguntas que me inquietaram nesse debate: Sobre as diversas outras características que podem ser observadas em humanos, como o ódio, a violência, a dominação, opressão, etc. Não seriam essas também características da “natureza humana”? Se forem, então seria o caso de criar um modelo social ideal que escolheria as melhores características inatas em detrimento de outras menos adequadas? Mas justamente escolher que características são as mais adequadas não incorreria em uma escolha subjetiva, influenciada por agenciamentos sociais, históricos e culturais? Então a definição do que é essa suposta natureza humana e suas qualidades não acaba inevitavelmente por ter que passar pelo crivo subjetivo e incerto do discurso humano, tornando então arbitraria e incerta a própria existência de tal natureza?  Há realmente a necessidade de se validar o anarco-sindicalismo como solução para a sociedade a partir de noções universais de natureza humana? Será possível definir soluções ou fazer escolhas sem ter que se submeter a noções essencialistas? Os valores que consideramos como bons e corretos precisam necessariamente estar vinculados com noções universais?

Concluo com uma frase de Foucault que define bem o cuidado e critério que todos nós devemos ter ao lidar com os temas apresentados: “O poder consegue alcançar as mais sutis e individuais das condutas e atinge as formas mais raras e imperceptíveis de desejo”. 

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