segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Michel Foucault - Psicologia e Filosofia (1965)



Nessa entrevista, realizada em 1965, Alain Badiou conversa com Michel Foucault acerca das possíveis relações existentes entre a filosofia e a psicologia. Foucault interroga a psicologia como qualquer outra “forma de cultura”. Definição entendida por ele como a forma pela qual se organiza um saber, como este saber é institucionalizado, como produz uma linguagem que lhe é própria e como, no caso da psicologia, alcança uma forma científica. 


Segundo Foucault, a psicologia surge no mundo ocidental em meados do século XIX, entretanto, tiveram que a ocorrer intensos processos de interrogação ontológica, até que tais questionamentos pudessem se transformar nessa forma de cultura que hoje denominamos psicologia. A forma de cultura instaurada pela psicologia é atravessada por várias outras formas que a precederam, como a confissão no cristianismo, a literatura, a arte e a filosofia.
Foucault define a filosofia como sendo a forma de cultura mais característica e geral do mundo ocidental, surgindo a partir dos gregos, até o presente. Nesse sentido, a psicologia não fez mais do que retomar, em um estilo científico, uma série de perguntas que haviam interessado a filosofia durante os séculos precedentes. 

Foucault ainda aponta que a psicologia seguiu sendo a área mais importante das ciências humanas, principalmente devido a influência da psicanálise. Até o fim do século XIX, os esforços da psicologia estavam todos direcionados para uma análise da consciência e mudando bruscamente de rumo, buscou investigar a partir de então, a dimensão obscura e oculta da psique humana, o inconsciente.  Essa mudança de perspectiva reestrutura por completo todo o campo das ciências humanas. A cultura, o corpo, as relações parentais e todos os aspectos da existência tinham agora sua dimensão inconsciente.

Fazendo uma genealogia da noção de inconsciente, Foucault demonstra com rigor e riqueza de detalhes como este inconsciente que a psicologia descobre como objeto novo já havia sido contemplado pela filosofia através de Schopenhauer e Nietzsche. E afirma que graças à reflexão sobre o inconsciente nos demos conta de que o “homem não existe”. Era precisamente o que Nietzsche queria dizer quando afirmou a morte de Deus, descobriu que não era simplesmente o fim da religião cristã, mas o fim do homem e de sua essência fundamentada nos valores humanistas, tal como havia sido representado pelo renascimento, pelo protestantismo, ou mesmo muito antes, por Sócrates. 

Entender a Psicologia como um saber que se constituiu a partir de condições históricas específicas, me ajuda a ter uma noção, ainda que limitada, da complexidade que envolve sua origem e todo trajeto percorrido até chegar a essa pluralidade de propostas e linhas teóricas que existem hoje. Tornou-se um trabalho deveras complicado tentar compreender a confusa e emaranhada teia de proposições e conceitos que lutam por espaço e legitimidade. 

O que me inquieta profundamente é que tenho a impressão que a formação em psicologia, digo a partir da minha própria experiência, não contempla com a devida profundidade e seriedade os problemas epistemológicos que permeiam o campo. Somo orientados a escolher a teoria que melhor nos convém, que mais faz sentido para nós. Superficialmente e em prol do politicamente correto a academia prega um discurso que todas as teorias consideradas pela psicologia são válidas, mas ao mesmo tempo não esclarece como cada abordagem, com suas concepções epistemológicas específicas e elaborações teóricas fechadas, geralmente divergentes das outras, são igualmente válidas e coerentes. 

Além do que, por baixo da tênue e superficial camada discursiva da política da boa vizinhança, cada abordagem teórica afirma categoricamente suas concepções como verdadeiras e mais adequadas em detrimento das outras existentes. Se eu estiver errado, por favor, me corrijam. Não quero afirmar que a existência de muitas linhas teóricas na psicologia sejam apenas fruto de limitações e confusões teóricas e metodológicas, penso também que a existência dessa diversidade se dá pela própria complexidade e dimensão inapreensível do que tentamos definir como sendo nosso objeto de estudo, seja ele a psique, o comportamento ou a mente. 

O que me preocupa verdadeiramente é ver boa parte dos psicólogos cômodos e indiferentes a essas questões. Geralmente presos por suas concepções teóricas se limitam a produzir um discurso psicologizante que crêem ser a correta descrição da realidade. Nos dizem na universidade que não devemos misturar teorias, pois corremos o risco de sermos superficiais e confusos em nossas análises, mas não enfatizam com a devida importância os perigos em se assumir uma perspectiva única. A ausência de um olhar mais crítico e plural acaba por nos deixar reféns de dogmatismos que limitam nossa capacidade de apreender com mais cuidado e honestidade a complexidade da subjetividade humana. 

Por isso devemos também buscar em outras fontes respostas para nossas inquietações. A psicologia como um todo, a filosofia e as outras áreas das ciências humanas são um rico e vasto campo de investigação que podem nos auxiliar nesse empreendimento, desde que investigados com o devido rigor e cuidado. É certo que não podemos saber tudo, mas tão certo quanto isso é afirmar que podemos saber muito mais do que estamos habituados. Essa entrevista com Foucault me mostrou que há muito trabalho a ser feito até que eu possa me sentir seguro e autorizado a aplicar qualquer concepção teórica da psicologia ao lidar com a minha e outras subjetividades. Podemos sim fazer muito mais, mesmo porque escolhemos a psicologia como profissão, então devemos estar minimamente dispostos e comprometidos a enfrentar e assumir essa infinidade de problemas, incertezas e confusões que são próprias do nosso campo.

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