Nessa entrevista,
realizada em 1965, Alain Badiou conversa com Michel Foucault acerca das
possíveis relações existentes entre a filosofia e a psicologia. Foucault
interroga a psicologia como qualquer outra “forma de cultura”. Definição
entendida por ele como a forma pela qual se organiza um saber, como este saber
é institucionalizado, como produz uma linguagem que lhe é própria e como, no caso
da psicologia, alcança uma forma científica.
Segundo Foucault, a psicologia
surge no mundo ocidental em meados do século XIX, entretanto, tiveram que a ocorrer
intensos processos de interrogação ontológica, até que tais questionamentos
pudessem se transformar nessa forma de cultura que hoje denominamos psicologia.
A forma de cultura instaurada pela psicologia é atravessada por várias outras
formas que a precederam, como a confissão no cristianismo, a literatura, a arte
e a filosofia.
Foucault define a filosofia
como sendo a forma de cultura mais característica e geral do mundo ocidental,
surgindo a partir dos gregos, até o presente. Nesse sentido, a psicologia não
fez mais do que retomar, em um estilo científico, uma série de perguntas que
haviam interessado a filosofia durante os séculos precedentes.
Foucault ainda aponta
que a psicologia seguiu sendo a área mais importante das ciências humanas,
principalmente devido a influência da psicanálise. Até o fim do século XIX, os
esforços da psicologia estavam todos direcionados para uma análise da
consciência e mudando bruscamente de rumo, buscou investigar a partir de então,
a dimensão obscura e oculta da psique humana, o inconsciente. Essa mudança de perspectiva reestrutura por
completo todo o campo das ciências humanas. A cultura, o corpo, as relações
parentais e todos os aspectos da existência tinham agora sua dimensão
inconsciente.
Fazendo uma genealogia
da noção de inconsciente, Foucault demonstra com rigor e riqueza de detalhes
como este inconsciente que a psicologia descobre como objeto novo já havia sido
contemplado pela filosofia através de Schopenhauer e Nietzsche. E afirma que graças
à reflexão sobre o inconsciente nos demos conta de que o “homem não existe”. Era
precisamente o que Nietzsche queria dizer quando afirmou a morte de Deus,
descobriu que não era simplesmente o fim da religião cristã, mas o fim do homem
e de sua essência fundamentada nos valores humanistas, tal como havia sido representado
pelo renascimento, pelo protestantismo, ou mesmo muito antes, por Sócrates.
Entender a Psicologia
como um saber que se constituiu a partir de condições históricas específicas, me
ajuda a ter uma noção, ainda que limitada, da complexidade que envolve sua origem
e todo trajeto percorrido até chegar a essa pluralidade de propostas e linhas teóricas
que existem hoje. Tornou-se um trabalho deveras complicado tentar compreender a
confusa e emaranhada teia de proposições e conceitos que lutam por espaço e
legitimidade.
O que me inquieta
profundamente é que tenho a impressão que a formação em psicologia, digo a
partir da minha própria experiência, não contempla com a devida profundidade e
seriedade os problemas epistemológicos que permeiam o campo. Somo orientados a
escolher a teoria que melhor nos convém, que mais faz sentido para nós.
Superficialmente e em prol do politicamente correto a academia prega um
discurso que todas as teorias consideradas pela psicologia são válidas, mas ao
mesmo tempo não esclarece como cada abordagem, com suas concepções epistemológicas
específicas e elaborações teóricas fechadas, geralmente divergentes das outras,
são igualmente válidas e coerentes.
Além do que, por baixo
da tênue e superficial camada discursiva da política da boa vizinhança, cada
abordagem teórica afirma categoricamente suas concepções como verdadeiras e
mais adequadas em detrimento das outras existentes. Se eu estiver errado, por
favor, me corrijam. Não quero afirmar que a existência de muitas linhas teóricas
na psicologia sejam apenas fruto de limitações e confusões teóricas e
metodológicas, penso também que a existência dessa diversidade se dá pela própria
complexidade e dimensão inapreensível do que tentamos definir como sendo nosso
objeto de estudo, seja ele a psique, o comportamento ou a mente.
O que me preocupa
verdadeiramente é ver boa parte dos psicólogos cômodos e indiferentes a essas questões.
Geralmente presos por suas concepções teóricas se limitam a produzir um
discurso psicologizante que crêem ser a correta descrição da realidade. Nos
dizem na universidade que não devemos misturar teorias, pois corremos o risco
de sermos superficiais e confusos em nossas análises, mas não enfatizam com a
devida importância os perigos em se assumir uma perspectiva única. A ausência de
um olhar mais crítico e plural acaba por nos deixar reféns de dogmatismos que
limitam nossa capacidade de apreender com mais cuidado e honestidade a complexidade
da subjetividade humana.
Por isso devemos também
buscar em outras fontes respostas para nossas inquietações. A psicologia como
um todo, a filosofia e as outras áreas das ciências humanas são um rico e vasto
campo de investigação que podem nos auxiliar nesse empreendimento, desde que
investigados com o devido rigor e cuidado. É certo que não podemos saber tudo,
mas tão certo quanto isso é afirmar que podemos saber muito mais do que estamos
habituados. Essa entrevista com Foucault me mostrou que há muito trabalho a ser
feito até que eu possa me sentir seguro e autorizado a aplicar qualquer
concepção teórica da psicologia ao lidar com a minha e outras subjetividades. Podemos
sim fazer muito mais, mesmo porque escolhemos a psicologia como profissão,
então devemos estar minimamente dispostos e comprometidos a enfrentar e assumir essa
infinidade de problemas, incertezas e confusões que são próprias do nosso
campo.
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