Todo caminho é sempre incerto e estou apreensivo
quanto aos próximos passos.
Nestes últimos anos tenho discutido certos tópicos
incessantemente com alguns colegas, tanto, que conheço os caminhos discursivos
como um minotauro conhece seu labirinto. Ao tomar o teclado para escrever, como
me aconselharam tantos professores, olho para as paredes que se desdobram,
muitas fractais, no meu labirinto. Acho que começarei por onde os sentidos me
aliciam e as idéias me agenciam. Começarei próximo ao frio da sombra e ao calor
do fogo me dirigirei.
2011, este poderia ser o ano da morte da psicologia.
Seu enterro não seria dionisíaco. Não haveria matronas que arrancassem seus
cabelos, o incenso fragrante e as ladainhas não se arrastariam no ar. Talvez
uma pequena comitiva de jalecos brancos levantaria sua voz, a academia em luto
daria pequenos estertores protestando o fim de seu intangível, efêmero prestígio
e seus esfomeados, ou hiperbólicos, salários. Caixas de Skinner se
eletrocutariam, divãs desenvolveriam fobias de abandono, cérebros voltariam a
ser o simples conteúdo cinza e pastoso de crânios.
Gostaria de ser eu, como um corvo, a narrar esse fim.
Começaria por falar de um anseio por legitimidade: a história de um campo de
conhecimento, tão velho quanto a primeira temerosa e incerta introspecção, que
cometeu uma lenta eutanásia ao querer ser ciência. Eis o anseio: por ser
disciplina, por ser reconhecida como comunidade discursiva, por ter sua esfera
de poder gnóstico (sim, místico!) claramente delimitada e declarar as
fronteiras dos intransigentes muros de seus castelos de ar, deixar os mortos
controlar com mão de ferro o coração dos vivos.
Poucos anos após ter sido estabelecida por Wundt
(1879) a psicologia, sua paternidade reconhecida pelo genus científico por levar em seu nome a palavra experimental, nasceu para o mundo com
uma tenebrosa contradição interna: a de ser perenemente uma anticiência, a
busca pelo conhecimento de um objeto que não existe, a psique, aquilo que está
a ser feito e nunca será. Deve-se dizer que Wundt, como tantos outros depois,
tentou dar agilidade e concretude ao ser conceitual que esperneava, fresco
ainda das entranhas da filosofia. Levou o conhecimento infante ao laboratório,
mostrou-lhe a parafernália técnica e a matemática mensuradora que ratifica os
sentidos, mediu a reação de seus músculos e seus nervos, alimentou-o com os
costumes dos povos, sua arte, mitos, religiões e organizações sociais. A
impressão que tenho é que jogaram sobre um fantasma (geist) um véu e convenceram-no que tudo o que estava sob essa proteção
era material, era palavra que se tornava carne. Um caso de metafísica objetiva.
Assim, como o rei nu, a psicologia tem andado desde
então pelos espaços e pelos tempos a se esmerar, algumas vezes a se
envergonhar, de suas várias roupagens metodológicas, o tecido de sua narrativa
bordado finamente das mais preciosas filigranas conceituais. Belas elipses
tautológicas adornam seu cinturão, leis e axiomas bordam sua capa impenetrável!
Dizem mesmo que sua ânsia de precisão conceitual, empunhando uma lança
estatística, anda a perfurar alguns corpos incautos que ousam negar seus
decretos reais. Aliás, lembremos que o rei muitas vezes também era o sumo sacerdote de
seu povo... Para aqueles que buscaram, e buscam a cura por suas palavras, a
psicologia revelou habilmente passagens ocultas de seu grimório repleto de reis
gregos e príncipes dinamarqueses, nós borromeanos e véus esvoaçantes, fórmulas
trípticas e espelhismos solipsisticos. Calcinatio,
solutio, sublimatio!
Por que, psicologia, te emaranhaste nessa história de
ser ciência? Por que te perdeste em definições do que é mente, psique,
consciência, eu? Por que te tornaste, em tão pouco tempo, um espaço de onanismo
conceitual, ignorância dogmática e campo de batalha entre escolas e cânones? Entendo
que o “ser ciência” era o batismo para seu reconhecimento num mundo em processo
de desertificação pelo real; também me confundo com o uso do leque semântico
que busca apreender o território fugaz que é Ser; percebo a necessidade de se
trajar de ficções necessárias que preencham funções e pré-requisitos institucionais. Mas, serei o único a ver essa disciplina como uma
externalidade, um mero acaso, ou ação retificadora, sociocultural das
sucessivas revoluções tecnológicas e seu impacto avassalador sobre as sociedades
ocidentais e outras? Como tentativa de situar, classificar, remendar, adequar
essas sociedades aos passos (ir)refletidos dados em direção a um possível
ocaso? O anúncio apocalíptico do desenvolvimento de um mal estar.
Peço desculpas caso o texto se torne hermético,
desconexo ou desprovido de referências; estas, em seu devido tempo serão
utilizadas de forma pontual. Este é um texto inicial. Nele estão contidas as
sementes de futuras discussões que abordarei. Minha proposta é uma série de
ensaios, fugindo ao tradicional texto científico, atado as convenções
discursivas acadêmicas. De algumas destas frases, surgirão várias outras. Das
outras, outras mais.
Parabéns pelo blog! Vou seguir. Beijos
ResponderExcluirUia! =)fiquei entusiasmada com a proposta do blog e com as cutucadas que a nossa psicologia precisa! vamos chamar de nossa! sabe por que? me peguei esses dias em meus devaneios me psicologizando, nossa aí eu senti a baita força dos sintomas correlacionados a experiências que são da vida, que fazem parte do cotidiano e do ser humano! será que to com "aquela" síndrome? um descuido meu no momento de vulnerabilidade é fatal, agora imagina isso quando como psicólogos interferimos na vida do outro.... fica a cutucada! parabéns pelo blog. abração.
ResponderExcluirGente, muito obrigado pelos comentários! E sim, temos que despatologizar as experiências existênciais que fogem ao nosso glossário simbólico. Acho que muitas vezes nos faltam recursos outros que aqueles da psicologia para dar sentido as cores e impressões que ser-no-mundo proporciona... Legal, vou usar essa sua cutucada para falar da função enriquecedora da literatura e as artes para a expressão de si, hehehe. Obrigado!
ResponderExcluiresqueci de me identificar. Sou a Naiara Windmoller. =)
ResponderExcluir“Fortaleza é a sabedoria, e punjança o desejo que a move”
ResponderExcluirAssim falou o soldado com as penas de Maat, com seu bastão prendendo o inimigo conquistado na coluna negra.
Mas reencarnar é preciso.
A carne da metafísica objetiva do filho da própria mãe, treme.
Quem seria esse inimigo, o homem com uma peruca e seus instrumentos científicos, muitas vezes mal compreendido como o fetiche helenista oriundo da nossa herança eurocêntrica colonial..., ou o eterno “puer”, olhando onde os trabalhadores se ocupam de cima de seu cavalo?
Que última intenção da criação da palavra do Rei senão estender para circundar a realidade como um todo, e talvez, sonhar quem sabe.... com a felicidade verdadeira para todos.
Mas seria possível reverter o mal e achar a pérola perdida?
Da boca do dragão negro, o puer a arrancou e rodopiou pra lá e pra cá.
E vejam foi parar num amontuado de barro com o qual fez mais um fetiche.
De força vital fertilizadora, dinâmica, e expandida.
Seria um totem para o próprio phalus?
Seria a palavra viva e pulsante que sai das bocas ignorantes tanto quanto das cultas e labirínticas, em pés de igualdade?
Misericórdia, não é nada disso.
Forma é vacuidade, vacuidade é forma;
Vacuidade não é outra coisa senão forma; forma também não é outra coisa senão vacuidade.
Nesses vazios da existência intrínseca, a humanidade aprendeu a cortar e a dividir.
E esse parto trouxe as crianças ao mundo.
Falou sobre papéis comprometedores aquele senhor da batalha.
Pois aquela mãe tinha um dedo próximo à boca dizendo chiu......
Eu continuarei aqui com véu ou sem véu, e tu repartirás!
J'aime bien les mots caotiques d'un guignol, dans sa folie hermetique on retrouve toujors des verités cachés...
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