No todo, gostei do artigo. São feitas considerações válidas sobre aspectos sócioculturais e afetivos da contemporaneidade dos ocidentes; são relembradas críticas a determinadas instituições dos ocidentes que ainda permeiam perniciosamente nossas performances e discursos; além de serem feitas propostas interessantes de reflexão e subjetivação. As referências são boas e gostei da variedade: de Sri Auribondo, a Birman e Terry Eagleton. Finalmente gostaria de chamar atenção para como o autor propõe um colapso da dualidade sujeito/objeto, nossa perene maldição epistêmica de tradição aquéia, costurando tudo num discurso multidisciplinar. Lerei alguma coisa do autor para aprefundar a crítica em outro momento, em especial alguns conceitos...
Por exemplo, encuquei com o conceito principal: território mental. Talvez mais por uma questão de estilo ou estética, achei que o conceito soa mal e remete a toda uma discussão da filosofia da mente que não está contida na fala do autor. Ou está?
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Conheci pessoalmente o professor Evandro Vieira Ouriques, há cinco anos,
na sede do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc), do Fórum de
Ciência e Cultura da UFRJ. Estava interessado em conhecer as bases teóricas e
as opiniões do professor que estava à frente da recém-criada disciplina
“Construção de estados mentais não-violentos na mídia”, oferecida pelo Núcleo
de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON, da Escola
de Comunicação-UFRJ, sob sua coordenação desde 1984.
Para ele, os estados mentais dos indivíduos – o fluxo de pensamentos,
afetos e percepções – estão atravessados cada vez mais pelo discurso da mídia.
Portanto, repetir inconscientemente os valores dominantes da e na mídia em nada
contribui para o bem-estar da sociedade. O ser humano, destacou o professor,
precisa, mudar de atitude. De lá para cá, Evandro intensificou e divulgou seus
estudos. Criou, inclusive, um novo campo de conhecimento, intitulado “Economia
psicopolítica da comunicação e da cultura”, cuja metodologia operacional é o
que ele chama de Gestão da Mente, centrada no conceito de território mental
(criado em 2009), lugar onde ocorrem os estados mentais.
Em entrevista à revistapontocom, o professor explica
detalhadamente o que é território mental e como a sociedade deveria repensar
suas práticas e ações. Evandro avisa: “o território mental é a chave do ser
humano, pois somos ‘apenas’ o que pensamos. Portanto, o controle do fluxo dos
estados mentais é vital para a democracia, para a felicidade, para a vida em
paz. Basta lembrar que os padrões de comportamento, como os padrões de produção
e consumo, são determinados apenas pela vontade de cada pessoa em rede”.
Neste ano, além de continuar na coordenação do Netccon, o professor, que
recebeu no ano passado o Prêmio de Melhor Acadêmico do Mundo, o Best Scholar
2010, do Reputation Institute, de Nova Iorque, e o título de Zulu,
da Universal Zulu Nation, que criou no início da década dos 70 a Cultura Hip
Hop, vai começar a supervisionar pesquisas de Pós-doutorado em Estudos
Culturais no PACC e ministrar aulas sobre Psicopolítica e Gestão da Mente no
Doutorado em Comunicação em Contextos interculturais, da Universidad de La
Frontera, no Chile.
Acompanhe a entrevista:
revistapontocom – Como podemos definir o que é território mental?
Evandro Vieira Ouriques – O território mental é a chave da ação no mundo, pois somos ‘apenas’ o
que pensamos e afetamos. O que nos afeta e percebemos. É onde ocorre o fluxo de
pensamentos, afetos (sentimentos, emoções, incluído o que normalmente é chamado
de “coração”) e percepções (sensações, intuição etc.), ou seja, o fluxo dos
estados mentais (gratidão, generosidade, amor, ódio, vaidade, ressentimento,
inveja, cobiça, bondade, alegria, colaboração etc.) que são a fonte de
referência para a ação no mundo. Território mental é o que determinadas
maneiras de ver o mundo chamam de mente. E o que muitos, na mentalidade do
Ocidente, confundem com a ‘razão’, opondo esta ao ‘coração’. Esta confusão tem
graves consequências, pois muitos advogam que o outro mundo que queremos é
construído com base no ‘coração’, com as emoções, com os sentimentos. Ora, são
exatamente as emoções e os sentimentos que se encontram extremamente
perturbados nos dias de hoje. Daí que um especialista em mente como Sri Aurobindo,
criador do Yoga Integral, afirma que a fonte de referência para a ação está
‘atrás do coração’ e ‘acima da cabeça’. Está distante do turbilhão das emoções
e distante da rigidez da razão e da limitação do intelecto.
revistapontocom – Então pode-se afirmar que nós – seres humanos – somos
os nossos próprios territórios mentais?
Evandro Vieira Ouriques – Sim. Somos apenas o nosso próprio território mental, o nosso
entendimento do mundo, entendimento este que qualifica e assim determina cada
uma de nossas escolhas, de nossas decisões. Nosso território mental é o lugar
onde construímos e sustentamos a Justiça de nossas ações. É assim que ele é
criado historicamente. Ele é fruto da história das mentalidades, das maneiras
de pensar e agir no mundo, disseminadas, propagadas e multiplicadas pelas
estruturas de poder, pelos sistemas de poder, mesmo que estes sistemas sejam,
por exemplo, as redes nas quais vivemos hoje. Quanto mais o território mental é
criado pela própria pessoa, mais esta pessoa é de fato livre. Se observarmos
com sinceridade e acuidade, veremos que a maior parte de nós mesmos não é
livre. Quantas vezes fazemos o contrário do que dizemos? Quantas vezes nos
flagramos fazendo o que não gostamos? A maior parte das pessoas é pensada e
sentida por outras. Elas foram treinadas pelas instituições da sociedade, em
especial pela educação e pela mídia, a pensarem, sentirem e perceberem segundo
uma determinada perspectiva, ao ponto de matarem e morrerem por esta
perspectiva, que é sempre epistêmica, vale dizer, que está afinada com uma
maneira de validar o pensamento. O que é trágico é que as pessoas acham que a
perspectiva em que acreditam é fruto de uma criação própria. Elas acreditam que
tal perspectiva é a verdade absoluta.
revistapontocom – Então o nosso território mental foi sendo ‘alimentado’
desde as primeiras gerações até os dias de hoje?
Evandro Vieira Ouriques – Sim, com certeza. Por isto é decisivo a pessoa compreender de onde
vêm as ideias que ela defende como ‘verdades absolutas’. É uma tragédia imensa
repetir ideias sem questioná-las. Por exemplo: “a vida é cruel”, “o ser humano
não presta”, “mulher não dá pra entender”, “homem é assim mesmo”, “o ser humano
sempre foi violento”. Se refletirmos criticamente a respeito destas supostas
“verdades”, veremos que não é bem assim. Quer um exemplo? Se analisarmos
criticamente e com base numa boa pesquisa a frase o “ser humano sempre foi
violento”, veremos que ela não faz sentido. A civilização cretense,
imediatamente anterior à grega, portanto bem recente, não era bélica, as
cidades não eram muradas, não produziam armas e a sexualidade não era reprimida
como um pecado, como ocorre na presente civilização de base judaico-cristã, na
qual se repete que teríamos nascido de um pecado original.
revistapontocom – Mas por que isso acontece? Dada a nossa extensa
historiografia, o nosso território mental não deveria ser, hoje, mais
qualificado e inteligente?
Evandro Vieira Ouriques – Quando os estados mentais da solidariedade, da generosidade, da
fraternidade, por exemplo, são desqualificados, o território mental se torna
reduzido. Prova disso são os programas de reality show, nos quais apenas se
reproduzem os estados mentais sem analisá-los criticamente. A atitude – tanto
dos participantes quanto do público – são como folhas soltas ao vento, levada
pelos pensamentos, afetos e percepções que os atravessam. Quando a complexidade
da vida é reduzida aos rendimentos, ao que se supõe ser “lucro”, a um único
padrão de ‘riqueza’ que implica necessariamente na ‘pobreza’ da maioria, a uma
vida que se passa na esperança de poder consumir mais e mais, quando sabemos
que jamais as pessoas poderão consumir o que lhes é apresentado como
“felicidade”, estamos reduzindo, na prática, o território mental. É o que vem
acontecendo com a humanidade e atinge neste momento um intenso padrão. Por
exemplo, o Brasil em que opta pelo desenvolvimentismo e deixa em segundo plano
a sustentabilidade. O domínio do próprio território mental permite escapar
deste determinismo histórico que negocia futuros que aprofundam a desconexão
das pessoas com o presente, capturando-as em uma vida de desejo que exaure a
existência até o cerne, que reduz a vida, e assim a mídia.
revistapontocom – O ser humano, em um dado momento, descobriu, portanto,
que poderia intervir no território mental do outro.
Evandro Vieira Ouriques – Sim, o problema é sistêmico. Como bem mostraram os estudos dos
pesquisadores Maturana e Varela. O amor é a base do biológico e do social.
Quando a humanidade desistiu do amor em prol da violência, do ódio, da
competição, da vaidade perpétua, como dizem tão bem os tibetanos, a doença
estava instalada. Basta ver qualquer bom filme sobre as monarquias europeias,
por exemplo, ou sobre a classe dominante. São apenas tristes histórias
produzidas por territórios mentais dominados pelo estado mental da vaidade e
seus conexos, como inveja, competição, intriga, traição, apego etc. Esta é uma
tarefa complexa, mas não diria complicada, pois o conceito ‘complicado’ fala da
incapacidade de um determinado pensamento dar conta do que ele mesmo, o
pensamento, criou.
revistapontocom – A mídia então pode exercer um grande poder sobre os
territórios mentais dos indivíduos, não?
Evandro Vieira Ouriques – Com certeza, lamentavelmente estamos cheios de exemplos disto. Ainda
bem que dispomos da cultura digital, que não é uma garantia, mas uma ampla
possibilidade, pois ela também depende daqueles que a vivenciam sejam livres.
Como se vive hoje num mundo mais e mais midiatizado, e assim acelerado e
tecnologizado, cada vez mais as pessoas são pensadas, sentidas e percebidas por
outros, por exemplo, pelo conceito de disputa política, pelo estado mental da
inveja e da vingança, como falei anteriormente, enquanto se imaginam “livres”.
É, sim, de fato, uma tragédia. E ao mesmo tempo uma imensa possibilidade de
liberdade. Por isto, criei a metodologia Gestão da Mente, que utilizo em meu
trabalho acadêmico, em minhas consultorias e em meu consultório, no qual atendo
pessoas e casais interessados em re-descreverem suas vidas, vale dizer em
escapar do sofrimento. É sintomático que os movimentos sociais empenhados na
democratização da comunicação, na desconcentração da propriedade horizontal e
vertical dos meios de comunicação, na constituição de um novo marco regulatório
da comunicação do Brasil, tendo em vista o descalabro desta concentração, ainda
não tenham se dado conta de que tal concentração história está presente em seus
próprios territórios mentais. É muito mais frequente e comum do que gostaríamos
o fato de que indivíduos, grupos, redes, movimentos e organizações apresentem
atitudes antidemocráticas na maneira como conversam internamente, articulam
suas ações intersetoriais e procuram mobilizar os segmentos sociais com os
quais trabalham em favor da cidadania, da democracia, das políticas públicas
sociais, das intervenções em comunidades e da responsabilidade socioambiental.
Quando verificamos ao longo da História, e do presente, a extensão dos prejuízos
causados por essas atitudes mentais para os movimentos de transformação social,
podemos afirmar que se trata de uma alarmante pandemia no território mental,
que pode ser superada apenas pela re-ligação dos saberes sobre a sociedade com
aqueles sobre a economia psíquica dos indivíduos.
revistapontocom – Nesta história, há algum ‘culpado’?
Evandro Vieira Ouriques – Este aspecto é decisivo. Quem é o culpado? O fato de se fazer esta
pergunta já mostra o vazamento do paradigma judaico-cristão que está na base da
maior parte dos territórios mentais, paradigma construído sobre o fundamento da
culpa e do pecado. Não há culpa. Há responsabilidade. Por isto tantos temem
reconhecer falhas, pois as entendem como pecados. Daí ser sistêmica a
irresponsabilidade pessoal e social e a exteriorização da responsabilidade na
direção da outra pessoa, do governo, da classe dominante, da empresa, do
vizinho, da mulher, do patrão, do empregado, dos pobres etc. É este outro que
passa a ser “o” culpado. Basta ver como a mídia produz a cada dia um ‘judas’
para ser malhado por todos. Na atual Europa, os ‘culpados’ seriam os “gastos
públicos”, como foi aqui no Brasil na década dos 90. Quando em verdade o que
está ocorrendo é simplesmente o resultado da cobiça e da indiferença, por meio
da vaidade. Para que possamos viver de fato nas ordens da reciprocidade e da
lei, é imperativo desfazer-se desta onipotência, que faz com que se acredite
que tudo que é bom é seu por direito e que o mal está sempre no outro e fora de
si. Como uma vez disse Joel Birman: que tudo o que é prazeroso está dentro do
sujeito. E tudo aquilo que é desprazeroso está na sua exterioridade.
revistapontocom – Professor, e a religião? A religião não teve durante
anos um papel importante e definidor na construção dos territórios mentais?
Evandro Vieira Ouriques – A religião lamentavelmente foi esquecida pela Teoria Social.
Traumatizada pela história terrível da Inquisição e do compromisso da Igreja
com o poder, a Teoria Social a desqualificou na maior parte das vezes. Digo
lamentavelmente uma vez que jogaram fora junto com a água do banho, como se
diz, o próprio bebê. O que eu quero dizer? A questão não é a religião (na maior
parte dos casos, claro, terrivelmente comprometida com o poder, sobretudo
aquelas que querem converter o outro), mas a metáfora da religião. Ou seja, de
que a religião está falando? Ela fala da possibilidade do encontro, da
comunicação, do diálogo, da fusão Natureza e Cultura, do amor, da paz.
Consequentemente, e este seria um assunto para outra entrevista, esta
possibilidade ressurge na forma dos fundamentalismos, tantos os religiosos
quanto o do consumo, com seus templos, os shopping center. É assim que o sujeito
acredita que pode impor os seus ideais e instituir a sua lei, não se submetendo
a nada que lhe seja exterior. No meu prédio, na porta do zelador, veja o ponto
em que estamos, está fixado um aviso de que a palavra do Deus está acima da
palavra da Constituição. Sim, é desta maneira que o sujeito pensa estar
autorizado a submeter os outros pela conversão, quando o desafio divino, se
mergulhamos no estudo comparado das religiões, é o de reconhecer o outro na sua
singularidade e na sua diferença e procurar o lugar do encontro, da unidade na
diferença. No entanto, o fundamentalista acredita patologicamente que é o Deus
encarnado na Terra, o que do ponto de vista clínico é considerado como sendo da
ordem da onipotência. Neste sentido, a metáfora da religião está relacionada
com a construção de um território mental mais positivamente colaborativo, mais sustentável.
Tenho trabalhado intensamente com recursos de determinadas tradições
espirituais, em especial as hindus, tibetanas, xamânicas e indígenas, para
promover uma mudança no território mental. Por exemplo, o conceito hindu de
consciência-testemunha e as práticas de pranayama, de maneira a constituir o
que chamo de pensamento respiratório. Ou seja: a observação crítica e alteração
deliberada do padrão respiratório que sustenta cada estado mental.
revistapontocom – O senhor fala na possibilidade de construir novas
estruturas para os territórios mentais? Em mudanças. Isso não é uma grande
utopia?
Evandro Vieira Ouriques – Utopia para mim é viver no ódio, é crer que a vida seja feita contra
o outro, que para que eu ganhe, você teria que perder, que existiriam pessoas
que mereceriam mais do outros, que crianças poderiam ficar abandonadas, que
personalidades poderiam ser moldadas para atender a interesses de concentração
e poder. Isto sim é uma utopia, se estamos entendendo este conceito de utopia
no sentido do que não é possível de ser realizado. A insustentabilidade está aí
provando que não há nada mais anti-prático e anti-materialista do que o
espírito capitalista em rede, uma vez que ele destrói os corpos tanto dos que
odeiam quanto dos que são odiados e mais: destrói o corpo da Natureza.
Trata-se, portanto, de um suicídio coletivo, movido por uma vontade
descontrolada.
revistapontocom – Enfim, para onde vamos? O senhor arrisca uma previsão?
Evandro Vieira Ouriques – Vamos para onde quisermos. O mainstream está aí, como esteve desde
quando abandonamos a sabedoria de entender a Cultura como um modo da Natureza.
A situação na Europa e nos EUA mostra para onde a mentalidade dominante está
indo. O Brasil está sendo construído como um futuro Estados Unidos, como me
referi anteriormente? É isto que queremos? Investir na história de mais um
império, que talvez domine o mundo depois da Ásia? Ou queremos nos abrir para
outros e de fato inovadores estados mentais e consequentes soluções sociais de
fato sustentáveis? Outros padrões de produção e consumo? Outro padrão do que
seja ‘riqueza’? Vamos deixar o nosso território mental repetir as mesmas
decisões injustas e insustentáveis? Ou vamos tomar conta dele e libertar-se da
escravidão que é a vaidade perpétua? A decisão está em minhas mãos, suas mãos.
Está nas mãos de você que nos lê. Muita gente está fazendo esta mudança e
investindo no novo mundo que já está aí, emergindo de dentro e para além das
ruínas da mentalidade do Ocidente moderno, como disse, gerador de injustiça e
insustentabilidade.
revistapontocom – Na prática, como construir um território mental mais
‘humano’? O que fazer? Como fazer?
Evandro Vieira Ouriques – O território mental é transformado por cada ser humano no exercício
dos valores societais, que fundam a sociabilidade, para que o ser humano seja
como você diz, mais “humano”. Esta transformação é resultado de uma gestão
permanente do fluxo de estados mentais o que implica no exercício consciente da
vontade, o que demanda o controle de formação do desejo. Isto permite você
direcionar sua decisão na direção do que você quer ver no mundo. Somos o que
queremos ver no mundo ou pensamos, sentimos e percebemos que o mundo seja.
Muitos acreditam ser impossível mudar, pois assim estaríamos perdendo o que é
então chamado de “vantagens”. “Vantagens” que permitiriam “prazeres” de toda a
sorte. Em minhas pesquisas, publicações, aulas, cursos, conferências e clínica
terapêutica, praticamos a gestão do território mental, que eu chamo, desde
2005, de Gestão da Mente. O que pode ser feito de imediato é agir
simultaneamente em dois eixos: (1) observar analiticamente o fluxo de
pensamentos, afetos e percepções, vale dizer, ler seus próprios estados mentais
como quem lê para fazer a revisão um texto jornalístico, um projeto, uma
argumentação, um roteiro. Observar e analisar a narrativa sobre si mesmo, sobre
a vida e sobre o mundo, o que implica observar o feedback que lhe é oferecido
pela rede de relações; (2) observar a respiração que sustenta cada estado
mental. Tem sido acanhada [a teoria cultural] com respeito à moralidade e à
metafísica, embaraçada quando se trata de amor, biologia, religião e a
revolução, grandemente silenciosa sobre o mal, reticente a respeito da morte e
do sofrimento, dogmática sobre essenciais, universais e fundamentos e
superficial a respeito da verdade, objetividade e ação desinteressada. Por
qualquer estimativa, essa é uma parcela da existência humana demasiado grande
para ser frustrada. Além disso, esse é um momento bastante embaraçoso da
história para que nos achemos com pouco ou nada a dizer sobre questões tão
fundamentais. Trata-se, portanto, de um trabalho de muita determinação, foco,
compaixão consigo mesmo, pois aos poucos vai se conhecendo horrores que pensavam
estar fora, apenas nos “outros”. Neste sentido, trava-se, portanto, um diálogo
em rede da pessoa com ela mesma e com suas relações. Algumas reflexões: será
que estão me entendendo? Estou falando acessível? Por que não estou respirando
fundo e relaxado? Por que estou interessado em que tudo dê certo? O que é dar
certo? Sinto raiva. Raiva? O que estou pensando agora que me faz sentir este ou
aquele afeto? O que estou sentindo agora? O que estou percebendo? Que conceitos
estão circulando no meu território mental? Por quê? De onde eles vieram? Eu
concordo? Eu quero? Chamo o aprofundamento da observação do fluxo de estados
mentais de ‘arqueologia dos conceitos’. O aprofundamento da observação da
respiração, e a gestão do corpo que daí se abre, eu chamo de ‘arqueologia da
presença dos conceitos nos corpos’, não só nos corpos das pessoas como de todos
os corpos naturais e os criados pelas tecnologias. Como diz Terry Eagleton,
“se, com muita frequência, conhecer o mundo significa atravessar complexas
camadas de auto decepção, conhecer a si mesmo envolve ainda mais disso. Somente
pessoas excepcionalmente seguras podem ter a coragem de se confrontar dessa
maneira, sem racionalizar o que desenterram e nem se deixar consumir pela culpa
estéril. Só alguém certo de estar recebendo amor e confiança pode alcançar essa
espécie de segurança. (…) valor e objetividade não são os opostos que tantos
parecem pensar”. Vamos, portanto, praticar em rede o Amor, este outro nome dos
valores societais, da justiça, das políticas públicas, da colaboração positiva,
da sustentabilidade, da alegria, da gratidão, da generosidade, da gentileza, da
celebração.
Extraído: http://www.famalia.com.br/?p=11045
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Obrigado J.L.R.S.
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