Nossa
cultura romanceia o namoro, mas imagina o casamento como se fosse uma
"tumba do amor".
NO
DOMINGO passado, Dia dos Namorados, um amigo mandou flores para sua mulher com
este bilhete: "Posso ser seu namorado ou continuo sendo apenas seu
marido?". A frase foi bem recebida. É que, para nós, "namorado e
namorada" pode ser muito mais do que "marido e mulher". Em
regra, nossa cultura romanceia o namoro, mas imagina o casamento como uma
tragicômica "tumba do amor". Na última sexta, na Academia de Ideias de
Belo Horizonte, durante um bate-papo com João Gabriel de Lima sobre meu último
livro, ao falar de amor e casais, eu propus o seguinte: 1) todos tendemos a
amarelar diante de nosso próprio desejo; 2) o casamento nos permite acusar
alguém de nossa própria covardia - assim: eu quero fazer isso ou aquilo, mas
tenho preguiça e medo; por sorte, agora que me casei, posso dizer que desisto
porque assim quer minha parceira; 3) um casal, para valer a pena, não deveria
servir para justificar as desistências de nenhum de seus membros; ao contrário,
ele deveria potencializar os sonhos e os desejos de cada um dos dois. Uma mulher
me lembrou, com razão, que até esse tal casal que vale a pena pode acabar. E
perguntou: por quê? Existe uma sabedoria popular resignada sobre a duração de um
casal. Os sentimentos do namoro viveriam, no casamento, uma decadência
progressiva inelutável. E os casais continuariam unidos mais por inércia do que
por gosto. Alguns dizem que a rotina e a proximidade desgastam os sentimentos.
Ou seja, o apaixonamento sempre é fruto de alguma idealização, e de perto
ninguém parece ideal por muito tempo. Será que o remédio seria manter a
distância para não enxergar as falhas do outro? Respondo: amar não significa não
enxergar os defeitos do outro, mas achar graça neles. Uma amiga perde um
celular por semana; ela sabe que uma relação amorosa está acabando no dia em
que seu homem, em vez de achar graça na sua desatenção, irrita-se com seu
descuido. Outros acusam o tédio. A novidade (valor mor da modernidade industrial)
seria o ingrediente essencial (e, por definição, efêmero) do casal feliz. Ou
seja, felizes são só os recém-casados. Respondo: todos nós, neuróticos, amamos a
repetição e a praticamos com afinco. A rotina, portanto, não deveria nos
afastar do amor. Volto, portanto, à pergunta: por que um casal acaba? Levantei a
questão no Twitter, e @M_Angela_ Jesus me escreveu que, segundo Anaïs Nin, os
casais não morrem nunca de morte natural, mas por falta de cuidados, de
atenções e de esforços. A citação me levou a pensar nos meus próprios casamentos
fracassados; não cheguei a resultado algum, salvo o fato de que não deveríamos
chamar necessariamente de fracasso um amor que acaba; erigir a duração em valor
é uma ideia perigosa, que pode transformar separações bem-vindas e necessárias
em processos laboriosos e infinitos. No meio dessas reflexões, no domingo, fui
assistir a "Namorados para Sempre", de Derek Cianfrance, que me tocou
fundo, por ser justamente a história de um amor que não é mais possível. Isso,
sem que os protagonistas consigam saber por que "não dá mais": nenhum
deles é o vilão da crise, e nenhum deles é capaz de dizer o que está errado e
deveria mudar para que o casal tivesse uma chance. A julgar pela idade aparente
da filha, o casal do filme dura há mais ou menos cinco anos. Em cinco anos, os
namorados que, no primeiro encontro, haviam dançado e cantado na rua, cheios de
alegria e de encantamento, transformaram-se num casal de estranhos que se
encaram antes de se enxergar. O que aconteceu? Não há resposta. Essa é a força
do filme, que acua cada espectador a se perguntar o que foi que aconteceu a
cada vez que ele ou ela amou, e o amor se perdeu. Não é preciso que haja
discordância brutal, traição ou desamor para que um casal se perca. Claro, é
sempre possível racionalizar e apontar causas: no caso do filme, ao longo dos
cinco anos, talvez ela tenha "crescido" profissionalmente (como se
diz) e alimente agora ambições que ele não pode compartilhar porque, para ele,
o casamento e a filha continuam sendo as únicas coisas que importam. Pode
ser. Mas talvez o fim de um amor seja um fenômeno tão misterioso quanto o
apaixonamento. Talvez existam duas mágicas opostas, igualmente incontroláveis,
uma que faz e outra que desfaz.
Obrigado N.F. pelo artigo, desculpe a demora da publicação!
Muito bom!
ResponderExcluir