Pesquisa desenvolvida na USP mostra que experiências mediúnicas fazem
com que adeptos da umbanda e do santo-daime se sintam mais equilibrados. Para
especialista, a tese ajuda a derrubar preconceitos relacionados a essas práticas
religiosas
Muitas vezes mal compreendidos, adeptos da umbanda e do santo-daime,
assim como os de outros grupos religiosos, encontram apoio emocional, material
e afetivo ao participarem de rituais. É o que constatou um estudo da
Universidade de São Paulo (USP) feito pela psicanalista Suely Mizumoto, que
comparou os perfis psicológicos de 106 pessoas, entre experientes e iniciantes,
após elas participarem de experiências mediúnicas, comuns em ambas as práticas.
Mizumoto conta que o estudo pretendeu verificar o impacto na saúde física
e mental advindo das práticas. A escolha pelas religiões, explica, deu-se,
entre outras explicações, pelo fato de elas serem genuinamente brasileiras. Dos
participantes do estudo, 42 eram adeptos do santo-daime, 44 da umbanda e 20
formaram um grupo de controle, que serviu para comparar a influência da
religiosidade nos voluntários. "Os resultados obtidos dos perfis sociais,
saúde e religiosidade e das escalas revelaram indicadores de bem-estar que
confirmam índices de saúde inteiramente satisfatórios e até melhores quando
comparados aos resultados do grupo de controle", relata a pesquisadora,
que usou questionários para analisar questões sociais, religiosas e de saúde física
e mental.
Professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília (UnB),
Agnaldo Portugal acredita que o trabalho se mostra como mais uma contribuição
no sentido de revelar os efeitos da prática religiosa em questões de saúde
mental. "Os estudos que vêm sendo publicados até o momento indicam que a
religião não é neutra à saúde mental, podendo ter efeitos positivos, mas sem
descartar os casos em que ela pode ser a causa de problemas mentais",
ressalta.
De acordo com Portugal, tal como parece ocorrer em questões ligadas à
espiritualidade, há variação de indivíduo para indivíduo no modo como
determinada circunstância afeta a saúde. "Ainda que possamos falar em
características mais constantes, pessoas podem ter diferentes reações a várias
práticas religiosas", observa. Determinada religião pode ter efeito
curativo para um sujeito e efeito deletério para outro. "Como dizia o psicólogo
e filósofo da religião norte-americano William James, há grande variedade nas
experiências religiosas e se pode esperar que elas tenham efeitos variados também",
cita.
A dirigente do Centro Divina Luz, Conceição Bogea, de 70 anos, faz parte
do santo-daime há 20 e, desde que se tornou praticante, percebeu que o chá
ayahuasca age tanto em seu corpo quanto em sua mente. "Temos muito domínio
sobre a bebida. Entramos em um estado de transe muito controlado, pois estamos
em contato constante com os guias espirituais", conta. Conceição diz que,
no daime, ela aprendeu a reconhecer seus defeitos e a buscar a evolução.
"De certa forma, as pessoas no centro tendem a ser mais amigas e a
ajudar umas às outras. Somos todos irmãos e o daime tem esse poder de tornar as
pessoas mais humanas", conta. A dirigente explica que, na religião,
aprendeu a cultivar o respeito, a harmonia e a verdade. "Sem contar que
muitas pessoas, após entrarem para o daime, largaram as drogas pesadas, o alto
consumo do álcool. Nós nos tornamos mais caridosos", relata.
Outras crenças
No estudo, foi verificado que os adeptos do santo-daime têm forte
correlação entre a experiência de "cura espiritual" desfrutada nos
rituais e nas mudanças de estilo de vida. No grupo dos umbandistas, a cura foi
relacionada com a experiência mística, mas igualmente determinante de uma mudança
de estilo de vida. "Com menor propensão para o uso de substâncias químicas,
as mudanças do estilo de viver (dos umbandistas) acontecem, mas estariam
situadas em nível subjetivo, associadas às experiências místicas e
marcantes", afirma Mizumoto.
Seguidora da umbanda há 17 anos, a copeira Enilce Vieira, 39, conta que
a religião lhe dá suporte emocional e equilíbrio. "O umbandista trabalha
com a caridade, ajudando as pessoas. E é ajudando o outro que nós nos
ajudamos", acredita. Ela conta que se sente uma pessoa mais consciente,
mais equilibrada. "As pessoas confundem a essência da umbanda. Mas, em
todo momento, estamos ali para ajudar o outro e, assim, nós melhoramos",
ressalta.
Embora o estudo tenha sido realizado apenas com as duas práticas
religiosas, as constatações podem ser extrapoladas para outras religiões, de
acordo com Mizumoto. No que se refere à rede de apoio social e religioso, a
psicanalista conta que há outras pesquisas com diferentes grupos religiosos que
sugerem o suporte para momentos difíceis associado a um aumento na capacidade
de enfrentamento de problemas. "Diferentes comunidades religiosas são
procuradas como uma alternativa terapêutica popular para a cura de diferentes
enfermidades e resolução de vários problemas da vida",
ressalta.
Portugal avalia que o trabalho é também importante no sentido de
informar melhor sobre essas religiões, que muitos condenam porque as
desconhecem. "A diminuição da ignorância e do preconceito é sempre muito
bem-vinda e deve ser louvada. Daí a importância de se divulgar um trabalho
assim", diz. É muito comum, por exemplo, que quem desconhece a questão do
transe mediúnico tenha medo de algum tipo de aumento na mediunidade ou
descontrole ao entrar em contato com a umbanda ou o santo-daime. "Na
verdade, o aprendizado que essas religiões proporcionam pode ensinar seus
adeptos a terem um domínio maior quanto ao enfrentamento espiritual dessas
questões, diminuindo experiências mediúnicas traumatizantes", pondera
Mizumoto.
Ingestão regulamentada
Em sua pesquisa, Suely Mizumoto tratou também da polêmica que envolve a
ingestão do psicoativo ayahuasca nos rituais do santo-daime. Entre os
participantes, a psicanalista percebeu que "aqueles que faziam parte dos
rituais com o psicoativo diziam ter os períodos muito longos de tristeza cada
vez menores e mais raros, como se o ayahuasca fosse equivalente a um
"banho de serotonina". A ingestão da bebida, no entanto, é
regulamentada, desde janeiro de 2010, e prevê o consumo apenas em rituais
religiosos, proibindo o uso para fins comerciais, turísticos ou terapêuticos.
Para saber mais
Dos indígenas aos africanos
O santo-daime é uma religião cujos rituais consistem na ingestão de um
chá composto por uma mistura de substâncias em que prevalecem a erva rainha e o
cipó-caapi. Acredita-se que, entre 1000 a.C. e 500 a.C., índios da Amazônia
peruana já faziam o uso do chá. Já no período colonial, portugueses e espanhóis,
ao observarem indígenas sob o efeito da bebida, achavam que esse hábito era
apenas uma experiência alucinógena, sem apelo religioso. No século 16, padres
jesuítas que tentavam catequizar a região beberam o chá e o desaprovaram. Para
reforçar a resistência, a Santa Inquisição na América condenou, em 1616, a
ingestão do chá, alegando que ele era usado para fazer magia. Em 1913, o
seringueiro Raimundo Irineu Serra fundou a igreja do santo-daime. Tempos
depois, outro seringueiro, José Gabriel da Costa, criou a união do vegetal.
Também 100% brasileira, a umbanda nasceu da cultura afro, mas com influência
de costumes indígenas e católicos. A mais forte influência é a do candomblé -
religião africana -, tanto que os instrumentos, como os atabaques, foram
incorporados aos rituais umbandistas. O primeiro centro data de 1908, com o
nome Tenda de Umbanda Nossa Senhora da Piedade, de pai Zélio Fernandino. A
religião é caracterizada por sessões em que médiuns incorporam espíritos de
entidades de luz, conversam e abençoam as pessoas.
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Obrigado C.B.P.!
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Obrigado C.B.P.!
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