quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Rituais melhoram saúde física e mental - JORNAL CORREIO BRAZILIENSE - 16/10/2012


Pesquisa desenvolvida na USP mostra que experiências mediúnicas fazem com que adeptos da umbanda e do santo-daime se sintam mais equilibrados. Para especialista, a tese ajuda a derrubar preconceitos relacionados a essas práticas religiosas



Muitas vezes mal compreendidos, adeptos da umbanda e do santo-daime, assim como os de outros grupos religiosos, encontram apoio emocional, material e afetivo ao participarem de rituais. É o que constatou um estudo da Universidade de São Paulo (USP) feito pela psicanalista Suely Mizumoto, que comparou os perfis psicológicos de 106 pessoas, entre experientes e iniciantes, após elas participarem de experiências mediúnicas, comuns em ambas as práticas.

Mizumoto conta que o estudo pretendeu verificar o impacto na saúde física e mental advindo das práticas. A escolha pelas religiões, explica, deu-se, entre outras explicações, pelo fato de elas serem genuinamente brasileiras. Dos participantes do estudo, 42 eram adeptos do santo-daime, 44 da umbanda e 20 formaram um grupo de controle, que serviu para comparar a influência da religiosidade nos voluntários. "Os resultados obtidos dos perfis sociais, saúde e religiosidade e das escalas revelaram indicadores de bem-estar que confirmam índices de saúde inteiramente satisfatórios e até melhores quando comparados aos resultados do grupo de controle", relata a pesquisadora, que usou questionários para analisar questões sociais, religiosas e de saúde física e mental.

Professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília (UnB), Agnaldo Portugal acredita que o trabalho se mostra como mais uma contribuição no sentido de revelar os efeitos da prática religiosa em questões de saúde mental. "Os estudos que vêm sendo publicados até o momento indicam que a religião não é neutra à saúde mental, podendo ter efeitos positivos, mas sem descartar os casos em que ela pode ser a causa de problemas mentais", ressalta.

De acordo com Portugal, tal como parece ocorrer em questões ligadas à espiritualidade, há variação de indivíduo para indivíduo no modo como determinada circunstância afeta a saúde. "Ainda que possamos falar em características mais constantes, pessoas podem ter diferentes reações a várias práticas religiosas", observa. Determinada religião pode ter efeito curativo para um sujeito e efeito deletério para outro. "Como dizia o psicólogo e filósofo da religião norte-americano William James, há grande variedade nas experiências religiosas e se pode esperar que elas tenham efeitos variados também", cita.

A dirigente do Centro Divina Luz, Conceição Bogea, de 70 anos, faz parte do santo-daime há 20 e, desde que se tornou praticante, percebeu que o chá ayahuasca age tanto em seu corpo quanto em sua mente. "Temos muito domínio sobre a bebida. Entramos em um estado de transe muito controlado, pois estamos em contato constante com os guias espirituais", conta. Conceição diz que, no daime, ela aprendeu a reconhecer seus defeitos e a buscar a evolução.

"De certa forma, as pessoas no centro tendem a ser mais amigas e a ajudar umas às outras. Somos todos irmãos e o daime tem esse poder de tornar as pessoas mais humanas", conta. A dirigente explica que, na religião, aprendeu a cultivar o respeito, a harmonia e a verdade. "Sem contar que muitas pessoas, após entrarem para o daime, largaram as drogas pesadas, o alto consumo do álcool. Nós nos tornamos mais caridosos", relata.

Outras crenças

No estudo, foi verificado que os adeptos do santo-daime têm forte correlação entre a experiência de "cura espiritual" desfrutada nos rituais e nas mudanças de estilo de vida. No grupo dos umbandistas, a cura foi relacionada com a experiência mística, mas igualmente determinante de uma mudança de estilo de vida. "Com menor propensão para o uso de substâncias químicas, as mudanças do estilo de viver (dos umbandistas) acontecem, mas estariam situadas em nível subjetivo, associadas às experiências místicas e marcantes", afirma Mizumoto.

Seguidora da umbanda há 17 anos, a copeira Enilce Vieira, 39, conta que a religião lhe dá suporte emocional e equilíbrio. "O umbandista trabalha com a caridade, ajudando as pessoas. E é ajudando o outro que nós nos ajudamos", acredita. Ela conta que se sente uma pessoa mais consciente, mais equilibrada. "As pessoas confundem a essência da umbanda. Mas, em todo momento, estamos ali para ajudar o outro e, assim, nós melhoramos", ressalta.

Embora o estudo tenha sido realizado apenas com as duas práticas religiosas, as constatações podem ser extrapoladas para outras religiões, de acordo com Mizumoto. No que se refere à rede de apoio social e religioso, a psicanalista conta que há outras pesquisas com diferentes grupos religiosos que sugerem o suporte para momentos difíceis associado a um aumento na capacidade de enfrentamento de problemas. "Diferentes comunidades religiosas são procuradas como uma alternativa terapêutica popular para a cura de diferentes enfermidades e resolução de vários problemas da vida", 
ressalta.

Portugal avalia que o trabalho é também importante no sentido de informar melhor sobre essas religiões, que muitos condenam porque as desconhecem. "A diminuição da ignorância e do preconceito é sempre muito bem-vinda e deve ser louvada. Daí a importância de se divulgar um trabalho assim", diz. É muito comum, por exemplo, que quem desconhece a questão do transe mediúnico tenha medo de algum tipo de aumento na mediunidade ou descontrole ao entrar em contato com a umbanda ou o santo-daime. "Na verdade, o aprendizado que essas religiões proporcionam pode ensinar seus adeptos a terem um domínio maior quanto ao enfrentamento espiritual dessas questões, diminuindo experiências mediúnicas traumatizantes", pondera Mizumoto.

Ingestão regulamentada

Em sua pesquisa, Suely Mizumoto tratou também da polêmica que envolve a ingestão do psicoativo ayahuasca nos rituais do santo-daime. Entre os participantes, a psicanalista percebeu que "aqueles que faziam parte dos rituais com o psicoativo diziam ter os períodos muito longos de tristeza cada vez menores e mais raros, como se o ayahuasca fosse equivalente a um "banho de serotonina". A ingestão da bebida, no entanto, é regulamentada, desde janeiro de 2010, e prevê o consumo apenas em rituais religiosos, proibindo o uso para fins comerciais, turísticos ou terapêuticos.

Para saber mais
Dos indígenas aos africanos

O santo-daime é uma religião cujos rituais consistem na ingestão de um chá composto por uma mistura de substâncias em que prevalecem a erva rainha e o cipó-caapi. Acredita-se que, entre 1000 a.C. e 500 a.C., índios da Amazônia peruana já faziam o uso do chá. Já no período colonial, portugueses e espanhóis, ao observarem indígenas sob o efeito da bebida, achavam que esse hábito era apenas uma experiência alucinógena, sem apelo religioso. No século 16, padres jesuítas que tentavam catequizar a região beberam o chá e o desaprovaram. Para reforçar a resistência, a Santa Inquisição na América condenou, em 1616, a ingestão do chá, alegando que ele era usado para fazer magia. Em 1913, o seringueiro Raimundo Irineu Serra fundou a igreja do santo-daime. Tempos depois, outro seringueiro, José Gabriel da Costa, criou a união do vegetal.
 

Também 100% brasileira, a umbanda nasceu da cultura afro, mas com influência de costumes indígenas e católicos. A mais forte influência é a do candomblé - religião africana -, tanto que os instrumentos, como os atabaques, foram incorporados aos rituais umbandistas. O primeiro centro data de 1908, com o nome Tenda de Umbanda Nossa Senhora da Piedade, de pai Zélio Fernandino. A religião é caracterizada por sessões em que médiuns incorporam espíritos de entidades de luz, conversam e abençoam as pessoas.

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Obrigado C.B.P.!


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